segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Entendendo e Treinando a Flexão do Quadril

Este é um artigo escrito por Mike Boyle há um bom tempo atrás, mas que ainda nos serve, e muito. Acho que é uma boa pedida para encerrarmos bem o ano de 2013.
Como de costume inseri um bando de figuras e alguns vídeos que não existiam no artigo original, acho que facilita o entendimento dessa adaptação para o português que fiz.
Desejo um baita final de ano a todos os amigos.


Entendendo e Treinando a Flexão do Quadril
Mike Boyle

Uma postagem recente em meu website me fez perceber que uma resposta curta a uma questão complicada não funciona. Alguns de meus leitores parecem pensar que todo o barulho recente a respeito de um músculo psoas fraco ou com falta de ativação pode ser apenas modinha. Eu discordo veementemente.

Penso que o meu conhecimento aumentado a respeito da biomecânica da flexão do quadril é uma das coisas mais valiosas que aprendi nos últimos 5 anos. O problema do entendimento da flexão do quadril em geral e da ação do músculo psoas em particular, é o uso genérico do termo "flexores do quadril" aplicado a 5 músculos diferentes, 4 dos quais tem braços de alavanca marcadamente diferentes do músculo psoas. Preciso admitir que, como a maioria dentro da nossa profissão, não fazia distinção entre o grupo dos flexores do quadril. Todos estes músculos pareciam trabalhar juntos para fletir o quadril, e para mim, naquele tempo, era o que importava. No entanto após a leitura do trabalho da fisioterapeuta Shirley Sahrmann, mudei minha idéia com relação ao tema, assim como mudei de ideia em relação a vários outros músculos por causa de seu trabalho.

A visão que Sahrmann compartilha em seu livro "Diagnosis and Treatment of Movement Impairment Syndromes" (N.T: existe uma versão traduzida deste livro: "Tratamento e Diagnóstico das Síndromes de Disfunção Motora"), explica muitas das lesões enigmáticas ocorridas no campo da preparação física, especialmente as lesões musculares do quadríceps. A chave para entender o movimento de flexão do quadril, vem de analisar as alavancas anatômicas dos músculos envolvidos. Existem 5 músculos que são capazes de assistir na flexão do quadril:

Tensor da Fáscia Lata


Reto Femoral 
(distinguindo que é um membro do grupo do quadríceps e um flexor do quadril)


Ilíaco


Sartório


Psoas Maior e Psoas Menor 
(N.T: psoas maior e menor, creio que a cada vez que o autor mencione psoas, se refira aos 2: psoas maior e psoas menor)




3 desses músculos possuem algo em comum, 2 são muito diferentes.

Isso soa um tanto clichê, mas o segredo está nas diferenças, não nas similaridades. O tensor da fáscia lata, reto femoral e sartório tem inserção na crista ilíaca.
Tensor da fáscia lata, reto femoral e sartório e suas inserções na crista ilíaca
(N.T: no texto Coach Boyle cita as inserções dos 3 músculos acima na crista ilíaca, como visto na foto o reto femoral não se insere exatamente na crista iliaca e sim na espinha ilíaca ântero-inferior. O sartório tem a fixação proximal na espinha ilíaca ântero-superior, na vizinhança do tensor da fáscia lata. Neumann,D.A. 2005).

Isto significa que todos estes músculos são capazes de realizar a flexão até o nível do quadril. Isso é simplesmente uma questão de princípios mecânicos das alavancas (N.T: Referindo-se portanto ao fato de, por terem os pontos de fixação mencionados, estes músculos são capazes de realizar a flexão do quadril até os 90º). O psoas e o ilíaco são diferentes.


O psoas tem sua origem na coluna lombar inteira e o ilíaco na fossa ilíaca, a parte interna do osso ilíaco. Isto cria duas diferenças:

1 - O psoas age diretamente na coluna. Possivelmente como estabilizador para o ilíaco e possivelmente como flexor do quadril.

2 - O psoas e o ilíaco são os únicos flexores do quadril capazes de trazê-lo acima de 90º.

No caso destes 2 músculos serem fracos ou terem problemas de ativação, o fêmur até pode mover-se acima do nível do quadril (N.T: 90º), mas não pela ação do psoas e do ilíaco, ao invés disso, o movimento ocorre pelo impulso gerado pelos outros 3 músculos (N.T: tensor da fáscia lata, reto femoral e sartório).
Com posse deste conhecimento, acredito que o que sabemos de dores nas costas, estiramentos nos flexores do quadril e estiramento do reto femoral é expandido drasticamente.
Antes de discutirmos lesões específicas, primeiro analisemos como avaliar a função dos músculos psoas e ilíaco. O teste que Shirley Sahrmann usa é bem simples:

Em uma posição unipodal, agarre um dos joelhos, puxe-o até o peito e então solte a perna:
- Incapacidade de manter o joelho acima de 90º por 10 a 15 segundos indica um psoas ou um ilíaco fracos (N.T: ou com algum tipo de problema de ativação)
(N.T: Notar que assim que ela libera a perna, o fêmur já começa a descer e com o passar dos segundos ele desce ainda mais, revelando uma falta de ativação e/ou fraqueza do psoas e/ou do ilíaco).

 Outros sinais de fraqueza ou falta de ativação:
- Cãibras no tensor da fáscia lata.
- Uma inclinação posterior, como uma tentativa de compensação.
- Grande inclinação pélvica para direita ou esquerda.
- Queda da perna, parando por volta de 90º (N.T: como visto no vídeo).

Todos estes, sinais indicam que o atleta ou cliente está tentando compensar a fraqueza ou sub-atividade de alguns músculos (N.T: no nosso caso, o ilíaco e o psoas). A cãibra no tensor da fáscia lata é um caso clássico de dominância do sinergista. Um músculo geralmente tem cãibras quando tenta encurtar a partir de uma posição desvantajosa. Com o quadril acima de 90º, o tensor já está encurtado e é incapaz de produzir a força necessária para sustentar uma posição a partir de uma alavanca desfavorável. A tentativa resulta nas cãibras, assim como ocorre com os isquiotibiais no exercício de ponte quando os glúteos tem problemas de ativação (N.T: Se os glúteos tem problemas de ativação, os isquiotibiais assumem a tarefa de extensão do quadril a partir de uma alavanca desfavorável a eles. Algo muito comum de se ver em iniciantes). 
Os mesmos efeitos são vistos frequentemente quando se tenta fazer um hanging knee up, (N.T: Optei por deixar o nome original em inglês, hang knee up, creio que seja aquele exercício de elevação dos joelhos enquanto se está pendurado em uma barra), (que é um exercício que nunca usamos por sinal, já que ensina os clientes/atletas a compensarem), só que agora a cãibra ou estiramento ocorre no reto femoral
Ponte bilateral


Hang knee up

Se o avaliador estiver preocupado com o fato de o avaliado ser habilidoso em compensar, desenvolvemos um teste melhor, que inclusive tem se tornado nosso exercício favorito. O teste foi desenvolvido pela treinadora Karen Wood:

- Peça ao cliente ou atleta para ficar de pé com um pé sobre uma caixa que ponha o joelho mais alto do que o quadril (uma caixa de 60 cm funciona bem para a maioria). Com as mãos acima ou atrás da cabeça, tente levantar o pé da caixa e sustentar por 5 segundos. Incapacidade de levantar ou sustentar, é indicativo de fraqueza do psoas e/ou ilíaco. Pode-se adicionar resistência e usar o teste como um exercício, borrachas podem ser usadas para aumentar a dificuldade.

É importante notar que qualquer teste que tenha como objetivo avaliar o psoas, é invalido se a posição do quadril for menor que 90º de angulação, isto porque os outros flexores do quadril estarão com uma posição favorável de alavanca e isso influenciará no teste.

Entendendo a contribuição funcional única do psoas e do ilíaco, ilustra como um músculo fraco ou sub-ativo pode ser um fator nas dores nas costas ou estiramentos no quadríceps. Com relação a dor nas costas, incapacidade de flexionar o quadril acima de 90º irá frequentemente fazer com que haja a flexão da coluna lombar, dando a ilusão de flexão de quadril. Observe como muitos de seus clientes/atletas irão imediatamente flexionar a coluna lombar quando forem instruídos a trazerem o joelho em direção ao peito (N.T: referindo-se ao teste, que foi mostrado no primeiro vídeo). Não há uma distinção clara entre trazer o joelho até o peito e trazer o peito até o joelho. A tentativa de trazer o joelho até o peito, acima do nível do quadril, força o indivíduo a usar ou tentar usar o psoas e o ilíaco. Se eles forem incapazes de fazer isto, uma ou todas estas 3 coisas acontecem:

1 - O atleta/cliente irá flexionar a lombar e levar o peito até o joelho. A primeira vista isto pode parecer ser a mesma coisa (N.T: do que levar o joelho até o peito), mas sob a perspectiva de dores nas costas, não poderia ser mais diferente. Flexão da coluna lombar estará levando a degeneração discal. Aqueles indivíduos que substituem o movimento do quadril pelo movimento da coluna lombar, terão dores nas costas.

2 - O atleta/cliente usará o tensor da fáscia lata para fletir o quadril. Neste caso este indivíduo irá se queixar de estiramentos de baixo nível na região do tensor da fáscia lata. Este é o resultado da sobrecarga de uso de um sinergista, e irá alimentar uma dominância sinergística do tensor da fáscia lata, levando a ainda mais disfunção no psoas e no ilíaco. Isto é algo já clássico em nossos atletas de hóquei no gelo, que utilizam muito uma postura em flexão.

3 - O atleta/cliente usará o reto femoral para criar a flexão do quadril. Este é o misterioso estiramento no quadríceps visto em velocistas e atletas de futebol americano durante o teste de 40 yard dash (N.T: deixei o nome em inglês mesmo, por não saber a melhor tradução. É um teste de corrida de 40 jardas, aproximadamente 36,57 metros, que mede velocidade e principalmente aceleração já que a distância é curta). Neste caso, a etiologia é a mesma do exemplo anterior só que agora o culpado é o reto femoral e não o tensor da fáscia lata. É digno de nota que: A maioria das lesões musculares do quadríceps são limitadas ao reto femoral (o único multiarticular dos 4 músculos). A dor geralmente se localizará perto do ponto de inserção  do reto femoral no quadríceps, mais ou menos no ponto médio da coxa.

O psoas e o ilíaco, representam para a parte anterior do quadril o que o glúteo máximo representa para a parte posterior. Um glúteo máximo fraco causará uma dominância sinergística dos isquiotibiais e a extensão lombar compensando pela extensão do quadril. Isso levará à dor nas costas, dor anterior no quadril (este é outro ponto de Shirley Sahrmann: o uso dos isquiotibiais como extensores primários do quadril, muda o braço de alavanca do fêmur e pode causar dor na parte anterior da cápsula articular do quadril), e estiramentos dos isquiotibiais. No lado oposto, um psoas com problemas de ativação irá causar dor nas costas a partir da flexão ao invés da extensão (como o glúteo), estiramentos do tensor da fáscia lata e do reto femoral.

A chave para a prevenção de lesões e reabilitação, é um entendimento sólido de anatomia funcional. Precisamos parar de repetir os erros do passado e começar a perceber que ainda temos muito a aprender sob a perspectiva da anatomia e da biomecânica. Fico pasmo de ver o quão pouco de anatomia eu realmente sei quando olho um pouco mais fundo. Uma das melhores coisas que li nos últimos 3 anos é a declaração de Shirley Sahrmann: "quando um músculo é estirado, a primeira coisa a fazer é olhar para um sinergista fraco ou com falta de ativação".

Quando analisamos as lesões, as merdas não apenas acontecem, elas acontecem por uma razão que é governada pelas leis da física e pela anatomia funcional.

14 comentários:

  1. Muito bom o texto, esclarecedor e de fácil aplicabilidade prática através dos testes musculares apresentados. Com o entendimento do conjunto de flexores de quadril permite a exploração mais aprofundada em cada caso, os alunos clientes. Parabéns pelo texto e para sua capacidade de simplificar uma grande questão através das ilustrações e citações... Valeu!!! João Francisco K. lima

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  2. Valeu João, só faço uma adaptação afim de facilitar o entendimento. O craque mesmo é o autor.
    Grande abraço.

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  3. romulo pacheco araujo10 de janeiro de 2014 às 01:17

    E se a pessoa estiver com sacroileíte ou pubalgia?oque deve ser feito afim de uma boa recuperação e quais os principais sintomas?? abrço

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  4. Olá Marcus, parabéns, excelente post, como todos os que você faz. Muito obrigado por trazer isso tão mastigado para nós.
    Apenas uma dúvida, você acredita que, mesmo que o atleta, ou cliente, tenha uma boa ativação de glúteos e o movimento seja feito com uma velocidade controlada, o "hang knee up" é um exercício que "ensina" a ele compensar? Por que?
    Mais uma vez, muito obrigado por disseminar toda essa informação!!!
    Um abraço
    Alexandre

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  5. Parabéns, sou estudante de fisioterapia e esse conhecimento de quadril me ajudou nos trabalhos de cinesiologia! Abraços!

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  6. Respondendo (com atraso para alguns) aos colegas.
    Rômulo, quanto a tua questão, o indicado para responder é um fisioterapeuta ou um traumatologista, eles é que que lidam com esses assuntos, nós da educação física temos de tratar disfunções de movimento, não patologias, cada um dentro deus limites, mas todos compartilhando informações. Assim que o indivíduo está clinicamente liberado é que iremos analisar de que forma estas patologias afetaram a maneira como o sistema lidou com as lesões.

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  7. A., compartilho da visão do Boyle de que este exercício é de difícil execução e de que a grande maioria irá flexionar a coluna lombar e não o quadril. Já que vivemos com a lombar em flexão (no computador, estudando, no carro, avião, em aulas, etc. etc. etc.) não seria sensato reforçar isso usando este exercício, por isso que ele diz que é um exercício que "ensina a compensar". Lógico que não existem regras escritas em pedra e por vezes o tal exercício pode ser uma boa opção. Creio que irá depender de cada caso, mas via de regra acho também (assim como o Mike Boyle) que é um exercício que ensina a compensar.

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  8. Cristian, que bom que foi de utilidade o artigo.

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  9. "Obrigado" é pouco. Sensacional o artigo!!!

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