Como de costume inseri um bando de figuras e alguns vídeos que não existiam no artigo original, acho que facilita o entendimento dessa adaptação para o português que fiz.
Desejo um baita final de ano a todos os amigos.
Entendendo e Treinando a Flexão do Quadril
Mike Boyle
Uma postagem recente em meu website me fez perceber que uma resposta curta a uma questão complicada não funciona. Alguns de meus leitores parecem pensar que todo o barulho recente a respeito de um músculo psoas fraco ou com falta de ativação pode ser apenas modinha. Eu discordo veementemente.
Penso que o meu conhecimento aumentado a respeito da biomecânica da flexão do quadril é uma das coisas mais valiosas que aprendi nos últimos 5 anos. O problema do entendimento da flexão do quadril em geral e da ação do músculo psoas em particular, é o uso genérico do termo "flexores do quadril" aplicado a 5 músculos diferentes, 4 dos quais tem braços de alavanca marcadamente diferentes do músculo psoas. Preciso admitir que, como a maioria dentro da nossa profissão, não fazia distinção entre o grupo dos flexores do quadril. Todos estes músculos pareciam trabalhar juntos para fletir o quadril, e para mim, naquele tempo, era o que importava. No entanto após a leitura do trabalho da fisioterapeuta Shirley Sahrmann, mudei minha idéia com relação ao tema, assim como mudei de ideia em relação a vários outros músculos por causa de seu trabalho.
A visão que Sahrmann compartilha em seu livro "Diagnosis and Treatment of Movement Impairment Syndromes" (N.T: existe uma versão traduzida deste livro: "Tratamento e Diagnóstico das Síndromes de Disfunção Motora"), explica muitas das lesões enigmáticas ocorridas no campo da preparação física, especialmente as lesões musculares do quadríceps. A chave para entender o movimento de flexão do quadril, vem de analisar as alavancas anatômicas dos músculos envolvidos. Existem 5 músculos que são capazes de assistir na flexão do quadril:
Tensor da Fáscia Lata
Reto Femoral
(distinguindo que é um membro do grupo do quadríceps e um flexor do quadril)
Ilíaco
Sartório
Psoas Maior e Psoas Menor
(N.T: psoas maior e menor, creio que a cada vez que o autor mencione psoas, se refira aos 2: psoas maior e psoas menor)
3 desses músculos possuem algo em comum, 2 são muito diferentes.
Isso soa um tanto clichê, mas o segredo está nas diferenças, não nas similaridades. O tensor da fáscia lata, reto femoral e sartório tem inserção na crista ilíaca.
Tensor da fáscia lata, reto femoral e sartório e suas inserções na crista ilíaca |
Isto significa que todos estes músculos são capazes de realizar a flexão até o nível do quadril. Isso é simplesmente uma questão de princípios mecânicos das alavancas (N.T: Referindo-se portanto ao fato de, por terem os pontos de fixação mencionados, estes músculos são capazes de realizar a flexão do quadril até os 90º). O psoas e o ilíaco são diferentes.
O psoas tem sua origem na coluna lombar inteira e o ilíaco na fossa ilíaca, a parte interna do osso ilíaco. Isto cria duas diferenças:
1 - O psoas age diretamente na coluna. Possivelmente como estabilizador para o ilíaco e possivelmente como flexor do quadril.
2 - O psoas e o ilíaco são os únicos flexores do quadril capazes de trazê-lo acima de 90º.
No caso destes 2 músculos serem fracos ou terem problemas de ativação, o fêmur até pode mover-se acima do nível do quadril (N.T: 90º), mas não pela ação do psoas e do ilíaco, ao invés disso, o movimento ocorre pelo impulso gerado pelos outros 3 músculos (N.T: tensor da fáscia lata, reto femoral e sartório).
Com posse deste conhecimento, acredito que o que sabemos de dores nas costas, estiramentos nos flexores do quadril e estiramento do reto femoral é expandido drasticamente.
Antes de discutirmos lesões específicas, primeiro analisemos como avaliar a função dos músculos psoas e ilíaco. O teste que Shirley Sahrmann usa é bem simples:
Em uma posição unipodal, agarre um dos joelhos, puxe-o até o peito e então solte a perna:
- Incapacidade de manter o joelho acima de 90º por 10 a 15 segundos indica um psoas ou um ilíaco fracos (N.T: ou com algum tipo de problema de ativação)
Outros sinais de fraqueza ou falta de ativação:
- Cãibras no tensor da fáscia lata.
- Uma inclinação posterior, como uma tentativa de compensação.
- Grande inclinação pélvica para direita ou esquerda.
- Queda da perna, parando por volta de 90º (N.T: como visto no vídeo).
Todos estes, sinais indicam que o atleta ou cliente está tentando compensar a fraqueza ou sub-atividade de alguns músculos (N.T: no nosso caso, o ilíaco e o psoas). A cãibra no tensor da fáscia lata é um caso clássico de dominância do sinergista. Um músculo geralmente tem cãibras quando tenta encurtar a partir de uma posição desvantajosa. Com o quadril acima de 90º, o tensor já está encurtado e é incapaz de produzir a força necessária para sustentar uma posição a partir de uma alavanca desfavorável. A tentativa resulta nas cãibras, assim como ocorre com os isquiotibiais no exercício de ponte quando os glúteos tem problemas de ativação (N.T: Se os glúteos tem problemas de ativação, os isquiotibiais assumem a tarefa de extensão do quadril a partir de uma alavanca desfavorável a eles. Algo muito comum de se ver em iniciantes).
Os mesmos efeitos são vistos frequentemente quando se tenta fazer um hanging knee up, (N.T: Optei por deixar o nome original em inglês, hang knee up, creio que seja aquele exercício de elevação dos joelhos enquanto se está pendurado em uma barra), (que é um exercício que nunca usamos por sinal, já que ensina os clientes/atletas a compensarem), só que agora a cãibra ou estiramento ocorre no reto femoral
Ponte bilateral
Hang knee up
Se o avaliador estiver preocupado com o fato de o avaliado ser habilidoso em compensar, desenvolvemos um teste melhor, que inclusive tem se tornado nosso exercício favorito. O teste foi desenvolvido pela treinadora Karen Wood:
- Peça ao cliente ou atleta para ficar de pé com um pé sobre uma caixa que ponha o joelho mais alto do que o quadril (uma caixa de 60 cm funciona bem para a maioria). Com as mãos acima ou atrás da cabeça, tente levantar o pé da caixa e sustentar por 5 segundos. Incapacidade de levantar ou sustentar, é indicativo de fraqueza do psoas e/ou ilíaco. Pode-se adicionar resistência e usar o teste como um exercício, borrachas podem ser usadas para aumentar a dificuldade.
É importante notar que qualquer teste que tenha como objetivo avaliar o psoas, é invalido se a posição do quadril for menor que 90º de angulação, isto porque os outros flexores do quadril estarão com uma posição favorável de alavanca e isso influenciará no teste.
Entendendo a contribuição funcional única do psoas e do ilíaco, ilustra como um músculo fraco ou sub-ativo pode ser um fator nas dores nas costas ou estiramentos no quadríceps. Com relação a dor nas costas, incapacidade de flexionar o quadril acima de 90º irá frequentemente fazer com que haja a flexão da coluna lombar, dando a ilusão de flexão de quadril. Observe como muitos de seus clientes/atletas irão imediatamente flexionar a coluna lombar quando forem instruídos a trazerem o joelho em direção ao peito (N.T: referindo-se ao teste, que foi mostrado no primeiro vídeo). Não há uma distinção clara entre trazer o joelho até o peito e trazer o peito até o joelho. A tentativa de trazer o joelho até o peito, acima do nível do quadril, força o indivíduo a usar ou tentar usar o psoas e o ilíaco. Se eles forem incapazes de fazer isto, uma ou todas estas 3 coisas acontecem:
1 - O atleta/cliente irá flexionar a lombar e levar o peito até o joelho. A primeira vista isto pode parecer ser a mesma coisa (N.T: do que levar o joelho até o peito), mas sob a perspectiva de dores nas costas, não poderia ser mais diferente. Flexão da coluna lombar estará levando a degeneração discal. Aqueles indivíduos que substituem o movimento do quadril pelo movimento da coluna lombar, terão dores nas costas.
2 - O atleta/cliente usará o tensor da fáscia lata para fletir o quadril. Neste caso este indivíduo irá se queixar de estiramentos de baixo nível na região do tensor da fáscia lata. Este é o resultado da sobrecarga de uso de um sinergista, e irá alimentar uma dominância sinergística do tensor da fáscia lata, levando a ainda mais disfunção no psoas e no ilíaco. Isto é algo já clássico em nossos atletas de hóquei no gelo, que utilizam muito uma postura em flexão.
3 - O atleta/cliente usará o reto femoral para criar a flexão do quadril. Este é o misterioso estiramento no quadríceps visto em velocistas e atletas de futebol americano durante o teste de 40 yard dash (N.T: deixei o nome em inglês mesmo, por não saber a melhor tradução. É um teste de corrida de 40 jardas, aproximadamente 36,57 metros, que mede velocidade e principalmente aceleração já que a distância é curta). Neste caso, a etiologia é a mesma do exemplo anterior só que agora o culpado é o reto femoral e não o tensor da fáscia lata. É digno de nota que: A maioria das lesões musculares do quadríceps são limitadas ao reto femoral (o único multiarticular dos 4 músculos). A dor geralmente se localizará perto do ponto de inserção do reto femoral no quadríceps, mais ou menos no ponto médio da coxa.
O psoas e o ilíaco, representam para a parte anterior do quadril o que o glúteo máximo representa para a parte posterior. Um glúteo máximo fraco causará uma dominância sinergística dos isquiotibiais e a extensão lombar compensando pela extensão do quadril. Isso levará à dor nas costas, dor anterior no quadril (este é outro ponto de Shirley Sahrmann: o uso dos isquiotibiais como extensores primários do quadril, muda o braço de alavanca do fêmur e pode causar dor na parte anterior da cápsula articular do quadril), e estiramentos dos isquiotibiais. No lado oposto, um psoas com problemas de ativação irá causar dor nas costas a partir da flexão ao invés da extensão (como o glúteo), estiramentos do tensor da fáscia lata e do reto femoral.
A chave para a prevenção de lesões e reabilitação, é um entendimento sólido de anatomia funcional. Precisamos parar de repetir os erros do passado e começar a perceber que ainda temos muito a aprender sob a perspectiva da anatomia e da biomecânica. Fico pasmo de ver o quão pouco de anatomia eu realmente sei quando olho um pouco mais fundo. Uma das melhores coisas que li nos últimos 3 anos é a declaração de Shirley Sahrmann: "quando um músculo é estirado, a primeira coisa a fazer é olhar para um sinergista fraco ou com falta de ativação".
Quando analisamos as lesões, as merdas não apenas acontecem, elas acontecem por uma razão que é governada pelas leis da física e pela anatomia funcional.
Muito Obrigado!
ResponderExcluirQue bom que gostaste amigo.
ExcluirMuito bom o texto, esclarecedor e de fácil aplicabilidade prática através dos testes musculares apresentados. Com o entendimento do conjunto de flexores de quadril permite a exploração mais aprofundada em cada caso, os alunos clientes. Parabéns pelo texto e para sua capacidade de simplificar uma grande questão através das ilustrações e citações... Valeu!!! João Francisco K. lima
ResponderExcluirValeu João, só faço uma adaptação afim de facilitar o entendimento. O craque mesmo é o autor.
ResponderExcluirGrande abraço.
E se a pessoa estiver com sacroileíte ou pubalgia?oque deve ser feito afim de uma boa recuperação e quais os principais sintomas?? abrço
ResponderExcluirOlá Marcus, parabéns, excelente post, como todos os que você faz. Muito obrigado por trazer isso tão mastigado para nós.
ResponderExcluirApenas uma dúvida, você acredita que, mesmo que o atleta, ou cliente, tenha uma boa ativação de glúteos e o movimento seja feito com uma velocidade controlada, o "hang knee up" é um exercício que "ensina" a ele compensar? Por que?
Mais uma vez, muito obrigado por disseminar toda essa informação!!!
Um abraço
Alexandre
Parabéns, sou estudante de fisioterapia e esse conhecimento de quadril me ajudou nos trabalhos de cinesiologia! Abraços!
ResponderExcluirRespondendo (com atraso para alguns) aos colegas.
ResponderExcluirRômulo, quanto a tua questão, o indicado para responder é um fisioterapeuta ou um traumatologista, eles é que que lidam com esses assuntos, nós da educação física temos de tratar disfunções de movimento, não patologias, cada um dentro deus limites, mas todos compartilhando informações. Assim que o indivíduo está clinicamente liberado é que iremos analisar de que forma estas patologias afetaram a maneira como o sistema lidou com as lesões.
A., compartilho da visão do Boyle de que este exercício é de difícil execução e de que a grande maioria irá flexionar a coluna lombar e não o quadril. Já que vivemos com a lombar em flexão (no computador, estudando, no carro, avião, em aulas, etc. etc. etc.) não seria sensato reforçar isso usando este exercício, por isso que ele diz que é um exercício que "ensina a compensar". Lógico que não existem regras escritas em pedra e por vezes o tal exercício pode ser uma boa opção. Creio que irá depender de cada caso, mas via de regra acho também (assim como o Mike Boyle) que é um exercício que ensina a compensar.
ResponderExcluirCristian, que bom que foi de utilidade o artigo.
ResponderExcluirParabéns, muito bom o artigo.
ResponderExcluirObrigado Silvia.
Excluir"Obrigado" é pouco. Sensacional o artigo!!!
ResponderExcluirValeu Guilherme, espero que tenha te ajudado.
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