sábado, 15 de maio de 2021

Slack Muscular e Treino em Alta Velocidade

Mais um artigo que trata do conceito de Slack Muscular proposto pelo preparador físico holandês Frans Bosch, cujas ideias vêm ganhando popularidade no mundo da preparação física e reabilitação. Desta feita o autor tenta combinar o conceito de slack muscular em conjunto com uma abordagem de treinamento baseada na velocidade.

Já foram publicados artigos neste espaço a respeito das 2 abordagens:


Artigo Original: Muscle Slack and High Velocity Training: An Integrative Approach.



"Slack" Muscular e Treino em Alta Velocidade: Uma Abordagem Integrada
Max Schmarzo



Deficiente em Velocidade

A ideia de medir e treinar para sanar as deficiências de velocidade tem se tornado popular desde estudos recentes de J.B Morin e colaboradores. 

Em um de seus estudos, examinaram vários sujeitos e baseados em seus perfis de Força-Velocidade determinaram se eram deficientes na parte de Força do perfil ou na parte de Velocidade.

Uma vez determinada a deficiência, os sujeitos eram treinados usando métodos específicos enfatizando o componente velocidade do movimento:
  • Lenta para força máxima, e;
  • Rápida para velocidade do movimento.
Após o ciclo de treinamento do estudo, J.B Morin e colaboradores foram capazes de mostrar que métodos de treinamento específicos melhoraram o desempenho no salto vertical e equilíbrio geral nos perfis de Força-Velocidade (N.T: A imagem abaixo foi adaptada para o português para o melhor entendimento).


























Esse foi um dos primeiros estudos em larga escala que traçou verdadeiramente um perfil de força-velocidade, testou e treinou os indivíduos de acordo com suas necessidades individuais segundo este perfil.

A maior parte dos profissionais já entende que se alguém precisa ser mais forte tem de se aumentar sua força máxima, mas a ideia de treinar em altas velocidades tem ainda de ser amplamente estabelecida como efetiva. 

No entanto, após os métodos terem se mostrado efetivos no estudo, existe evidência científica que dá suporte ao uso de exercícios em alta velocidade para induzir a melhora no perfil força-velocidade.

O único problema em tirar conclusões a respeito de se os métodos de alta velocidade deveriam ser usados é o fato de que a velocidade é uma saída de informações (N.T: Um output). Aumentos na velocidade não ocorrem apenas por se mover rápido, mas existem adaptações fisiológicas desconhecidas em jogo.

Existem muitas suposições a respeito do que ocorre, mas nada definitivamente provado. Isso não quer dizer que o treinamento de alta velocidade é ruim, apenas que o treinamento de alta velocidade garante adaptações de alta velocidade.

De certo modo, ao realizar apenas movimentos de alta velocidade para consertar um problema de velocidade, o profissional está essencialmente trabalhando de trás para frente. Está pegando o subproduto e esperando que isso arrume o problema central. É verdade que agir dessa maneira é melhor do que não fazer nada.


No entanto, artigos recentes publicados por Frans Bosch podem ajudar os profissionais a terem um melhor entendimento de quais adaptações estão causando os aumentos na velocidade e quais as melhores maneiras de treinar para se obter estas adaptações, mesmo que os movimentos necessários a serem treinados não sejam de velocidade tão alta quanto se pensava.


Slack Muscular

Frans Bosch tem popularizado o conceito de slack muscular. Ele se encontra entre o primeiro estágio da taxa de desenvolvimento de força e a velocidade em que o músculo e o tendão vão de estarem "frouxos" até estarem "tensos". 

Quando um músculo não é ativado, está relaxado e existe uma uma "folga" no músculo e no tendão. Bosch usa a analogia de uma corda para auxiliar na descrição de como funciona o conceito de "Slack" Muscular.

Você está segurando uma extremidade de uma corda e a outra extremidade está atada a um carro, você é a origem e o carro é a inserção. Antes de puxar o carro a corda tem de estar tensa. Este é o ponto onde a corda passa de estar frouxa, arrastando no chão, a estar tensa, uma linha reta entre suas mãos e o carro.

Essa analogia é um sinônimo do processo das fibras musculares se alinhando da origem até a inserção.

A segunda parte dessa folga (N.T: Slack) é que agora a corda precisa tornar-se tensa o suficiente para que essa força possa ser aplicada ao carro. Nesse ponto, a corda passa de estar em uma linha reta, de suas mãos até o carro, para retesada, com você produzindo força na corda.

Isso é sinônimo de co-contração muscular produzindo força suficiente no tendão para que o músculo se torne tenso.

Bosch diz que alguns atletas têm dificuldade em produzir esta tensão e remover a "folga" rápido o suficiente (fase inicial da taxa de desenvolvimento de força) e isso pode prejudicar seu desempenho.

Em virtude dos movimentos ocorrerem extremamente rápido no esporte, a fim de gerar a maior força possível em um curto período de tempo, o atleta precisa remover a folga do músculo o mais rápido possível.


Influências no Treinamento

Bosch argumenta que qualquer movimento que ajuda na co-contração de forma "não-natural", e, portanto, na redução do "slack" muscular, pode ser prejudicial à melhora dos mecanismos de pré-tensão do corpo, porque essencialmente isso permite ao atleta trapacear no treinamento. 

Por exemplo, quando desempenha um agachamento com barra nas costas, a carga externa é aplicada na fase excêntrica, o que significa que os músculos estão extremamente ativos durante esta fase e o "slack muscular" já está superado quando quando o atleta se move na fase concêntrica.

No entanto, no esporte raramente existe uma carga externa durante a fase excêntrica. Ao invés disso, essa fase é extremamente rápida e não ativa co-contrações e mecanismos de redução do "slack muscular" da mesma maneira que uma carga externa.

Bosch argumenta que tais cargas externas podem ser benéficas nos estágios iniciais de um atleta, em virtude das mudanças fisiológicas positivas superarem as negativas, mas na medida em que um atleta progride, treinamento de força pesado pode ser prejudicial ao desempenho por reduzir a capacidade de superar o "slack muscular" com rapidez.


Juntando tudo

J.B Morin e colaboradores mostraram que o trabalho em alta velocidade pode ser uma ferramenta de treinamento efetiva para melhorar déficits de velocidade no perfil de um atleta. 

Bosch declarou que movimentos que aumentam as co-contrações e auxiliam em superar o "slack muscular" de maneira não natural podem prejudicar a capacidade de pré-tensão de um atleta em seu esporte, ao reduzir o desenvolvimento do estágio inicial da "Taxa de Desenvolvimento de Força" (N.T: Em inglês "RFD" - Rate of Force Development).

Pode-se supor que os aumentos na velocidade encontrados no estudo de J.B Morin estavam associados com um aumento nos estágios iniciais da "Taxa de Desenvolvimento de Força", em virtude de que quanto mais rápido se consegue desenvolver força, mais rápido ela pode ser disponibilizada e maior será a velocidade do indivíduo.

Ambos casos focam no estágio inicial da "Taxa de Desenvolvimento de Força" e quando combinamos suas ideias é possível obter mais clareza a respeito de como elas estão relacionadas. 

Lembre-se:
  • J.B Morin treinou uma saída de informações (N.T: Output) B Velocidade e;
  • Bosch advoga o treino de um mecanismo B Redução do "Slack muscular" (N.T: Ou "Folga do músculo").

É possível que a falta de velocidade no perfil de um indivíduo, seja na verdade apenas uma incapacidade de reduzir rapidamente o "slack muscular" (estágio inicial da Taxa de Desenvolvimento de Força). Se isso for verdadeiro, significa que fazer movimentos que enfatizam o início da Taxa de Desenvolvimento de Força possa ser o que traga mais benefícios.

Fazer movimentos de largada estática ou com pequenas amplitudes, a despeito de suas velocidades mais baixas podem ser uma melhor maneira de aumentar a velocidade.

Teoricamente a velocidade de movimento não deveria ser muito enfatizada, ao invés disso, as qualidades que influenciam a velocidade de movimento deveriam ser o alvo.

Quando analisamos o salto com contramovimento, a despeito de ter maior velocidade do que sua contrapartida estática, o agachamento com salto, sua maior velocidade de movimento é um subproduto de um tempo de movimento mais longo e de uma adição de pré-tensionamento e redução do slack muscular "não-natural" (não-natural em virtude de não haver tempo para maiores contramovimentos no esporte), o que significa que os reais mecanismos subjacentes de velocidade (estágio inicial da Taxa de Desenvolvimento de Força e redução do slack muscular) não estão sendo treinados.


(N.T: Salto com contramovimento).

(N.T: Agachamento com salto).

(N.T: Abaixo uma variação de salto com foco na redução do "slack muscular").


O objetivo do treinamento deveria ser por o foco nos mecanismos do movimento que aumentam a saída de informações (N.T: Output). Existem vezes em que movimentos de alta velocidade irão possuir de maneira inata qualidades que reduzem o "slack muscular", isso não garante que todos movimentos de alta velocidade irão treinar a redução do "slack muscular", como visto na comparação entre o  salto com contramovimento e o agachamento com salto.

É crítico que os profissionais entendam que saídas de informação (N.T: Outputs) são meramente produtos de muitas interações complexas. A fim de obter melhores saídas de informação estes mecanismos precisam ser entendidos e treinados.

Gostaria de agradecer a J.B Morin, Frans Bosch e suas respectivas equipes de pesquisadores. Suas descobertas têm ajudado a impulsionar o mundo da performance humana. Tenho muito respeito por ambos e fico muito empolgado para aprender mais à medida que eles continuam a avançar em suas pesquisas.


Citações:

Para Bosch

  • Van Hooren, B., Bosch, F. Influence of muscle slack on high-intensity sport performance: A review. Strength and Conditioning Journal, 2016.
  • Bosch, F. Strength Training and Coordination: An Integrative Approach. 2010.



Para Morin

  • Jimenez-reyes, P. Effectiveness of an ptimized training using Force-Velocity profile analysis. Conference: European College of Sports Sciences, Vienna, 2016.
  • Samozino, P., Rejc, E., Di Prampero, P. E., Belli, A., Morin, J. B. Optimal force-velocity profile in ballistic movements - Altius, Citius or Fortius? Medicine and Science in Sports and Exercise, 2012.
  • Samozino, P., Morin, J. B. Interpreting Power-Force-Velocity Profiles for Individualized and Specific Training. International Journal of Sports Physiology and Performance, 2016.