Finalizando o artigo iniciado na semana passada, neste com uma abordagem mais prática da utilização de instruções com um foco de atenção interno X instruções com um foco de atenção externo.
Aos que não leram a primeira parte: Ciência e Aplicação de Dicas Verbais - Parte 1.
Aos que desejam ler no original em inglês: The Science and Application of Coaching Cues.
Ciência e Aplicação de Dicas Verbais - Parte 2
Sam LeaheySumário
Como sabemos, instruções verbais efetivas são uma ferramenta crítica para maximizar a performance motora de nossos atletas. Enquanto que a maior parte deste artigo girou em torno de como comunicamos de maneira mais efetiva nossos protocolos de treinamento, outra apreciação diz respeito ao fator de impacto de efetivas instruções verbais durante testes e como isso pode alterar a confiança de nossos resultados em testes como salto vertical/horizontal, escore do FMS, etc. (N.T: Creio ser por isso que as instruções nos testes do FMS - Functional Movement Screen são padronizadas, a fim de diminuir a variabilidade das instruções, o que poderia afetar o resultado). Também é interessante notar que muitos livros digitais, programas, etc. que dão ao leitor protocolos de testes muito detalhados, esquemas de séries e repetições, e descrições de exercícios, ignoram inteiramente os efeitos de instruções verbais e do retorno de informação (N.T: feedback).
No final das contas, um foco interno pode restringir o programa motor do atleta, causando um tipo de controle consciente que resulta em um resultado de aprendizagem menos efetivo e eficiente, seja em um exercício, manobra de agilidade, habilidade esportiva, etc. Muito frequentemente, dicas verbais externas podem resultar em utilização de processos automáticos e demandas de atenção reduzida que promovem resultados de movimentos mais reflexivos e naturais, com uma performance geral superior. Porém, como já mencionado anteriormente, sinto que existe espaço para um pouco de instrução interna também. Como treinadores (N.T: nesse termo abarco todos profissionais que trabalham com movimento: treinadores esportivos, preparadores físicos, personal trainers, fisioterapeutas, professores escolares, e por aí vai.), precisamos estar conscientes das propriedades da informação que damos aos nossos atletas, porque isso afeta absolutamente seus movimentos, dependendo do que, como e quando dizemos.
Aplicações e Retratações
Então, sabendo de tudo isso ou não, todos nós em algum momento já nos utilizamos de instruções verbais internas e externas. Quantas vezes você já disse a algum atleta: "firme os glúteos/abdominal", ou "ombros para baixo" e isso funcionou perfeitamente? Provavelmente um bom número de vezes. Não quer dizer que dicas verbais com foco interno sejam ruins ou erradas por si, apenas que temos um bom número de razões para acreditar que dicas verbais com foco externo são um pouco melhores, especialmente em termos de performance motora de longo prazo, que é essencialmente a maior parte do que tentamos alcançar com qualquer programa de treinamento que prescrevamos. Isto não significa que suas instruções precisam de uma inspeção completa e uma abordagem de "tudo ou nada" em direção a instruções externas. Apenas significa que na maioria dos casos deveríamos acabar com o atleta adotando um foco de atenção externo e uma perspectiva "baseada no efeito" ao invés de uma "baseada nos músculos" de seus próprios movimentos. Para alguns movimentos, se a intenção for puramente uma ativação neuromuscular, por qualquer razão instruções internas servem a este propósito. Portanto eu proponho o seguinte quando for ensinar uma nova tarefa motora para algum de nossos atletas (ver tabela abaixo). Obviamente, se o quadro de referência for o fisiculturismo, eu usaria muito mais dicas com foco interno, porque o objetivo seria uma atividade muscular mais localizada e muito menos relacionada com resultados de desempenho de movimentos em geral.
Pontos Chave
- Esta matriz representa como eu vejo o processo de treinar atletas para desempenhar movimentos que nunca fizeram antes. Se são tarefas para as quais os atletas já possuem um programa motor, me inclino a usar dicas externas.
- Eu dividi e rotulei as categorias de forma a facilitar o entendimento de todos. Os termos usados não são absolutos, então podem ser adaptados para caber em qualquer sistema. Pegue a ciência apresentada neste artigo e você pode criar sua própria matriz de acordo com sua própria classificação de movimentos, desde que esta se prenda aos princípios.
Exemplos
Ponte:
Usando a matriz mostrada na tabela acima, quando ensino um atleta de qualquer nível a fazer a ponte, eu uso dicas de foco interno como as que seguem:
→ "aperte os glúteos para levantar os quadris".
→ "tente relaxar os isquiotibiais" (enquanto palpa os ísquios).
→ "imagine uma linha reta do joelho, passando pelo quadril até o ombro".
Prancha:
Usando a matriz acima, quando ensino a prancha à meus atletas sempre inicio com foco externo, dizendo:
→ "imagine que está prestes a levar um soco no estômago".
Se não vejo o tipo de ativação do core que desejo, eu palpo a região com as 2 mãos e digo:
→ "firme tudo isso" (interna).
Alongamento de Flexores de Quadril:
Quando ensino qualquer tipo de alongamento para os flexores do quadril eu cutuco seus glúteos e digo:
→ "aperte os glúteos" (interna).
Mobilização da Coluna Torácica (em extensão):
Para a maioria das mobilizações de extensão da coluna torácica, eu normalmente palpo na altura da 4ª vértebra (T4) e digo:
→ "dobre aqui, mas mantenha as costelas abaixadas"(interna).
Embora para algumas posições em base pronada (N.T: decúbito ventral), me certificando de que a extensão está vindo a partir dos segmentos corretos (N.T: movimento partindo da coluna torácica e não da coluna lombar), eu gosto da instrução:
→ "empurre-se para longe do solo"(externa).
Passada Cruzada (crossover step):
Usando a matriz, quando ensino a passada cruzada para algum atleta iniciante, eu progrido a partir de dicas com foco interno, como as que seguem:
→ "direcione seus joelhos de forma a cruzar o corpo".
→ "empurre forte contra o solo a perna que está embaixo".
Uma vez que ganhe proficiência na execução, o foco das dicas passa a ser externo:
→ "pense nisto como um salto em distância de lado".
→ "empurre o solo abaixo de você para longe" (para a perna que está embaixo).
→ "alcance a parede que está ao seu lado" (para a perna que está encima).
→ "permaneça baixo".
Use a matriz quando for ensinar exercícios básicos aos atletas, como: agachamento, levantamento terra, supino, saltos pliométricos, etc. Eu tento promover um foco de atenção externo o máximo possível ao ensinar estes movimentos, especialmente com atletas intermediários. Faço regressões para instruções internas as vezes. Também neste tipo de movimentos temos a oportunidade de nos referirmos aos implementos que estão sendo usados (barras, caixas, halteres, cones, bancos, etc.).
Agachamento:
Para dicas externas:
→ "peito estufado antes da descida".
→ "espalhe o chão na descida"(N.T: a fim de gerar um torque de rotação externa, fazendo com que os quadris "abram" e aumentando a estabilidade no quadril).
→ "sente numa cadeira".
→ "explodindo no alto" (N.T: subindo rápido).
→ "travar" (N.T: no momento que fica em pé ao completar a subida).
→ "barra/anilhas chacoalhando" (N.T: enfatizando o travar, a super-rigidez na finalização do movimento).
→ "imagine que está sentando em cima de vidro"(quando agachar usando uma caixa) (N.T: enfatizando a não-descarga do peso corporal+barra sobre a caixa).
Se estiver usando algum tipo de "agachamento rápido" (N.T: speed squat no original em inglês), você pode marcar o tempo de execução com um cronômetro e ver quanto tempo leva para realizar o movimento na amplitude completa. Só esteja certo de que a mecânica corporal dos atletas é correta antes de usar esta dica.
Supino:
Dica com foco interno (regressão):
→ "Devo ser capaz de deslizar minha mão sob a sua coluna lombar durante a fase de retirada do peso do suporte"
Para dicas externas:
→ "raspe a barra para fora do suporte".
→ "encare o teto, não a barra".
→ "dobre a barra ao meio durante a descida" (N.T: o mesmo conceito utilizado durante o agachamento, dessa vez a geração de torque é de rotação externa dos ombros, fazendo com que haja um aumento da estabilidade em toda região escapular).
→ "direcione para o solo" (N.T: a barra na descida).
→ "empurre-se contra o banco enquanto empurra a barra para cima".
→ "esmague a barra na subida" (N.T: enfatizando a pegada e gerando mais estabilidade através do princípio de irradiação, que vem do FNP - facilitação neuromuscular proprioceptiva).
→ "direcione a barra para cima ligeiramente sobre seus olhos".
→ "explodindo no alto" (N.T: subindo rápido).
→ "travar" (N.T: no momento que completa a subida da barra).
→ "barra/anilhas chacoalhando" (N.T: enfatizando o travar, a super-rigidez na finalização do movimento).
Se estiver usando algum tipo de "supino rápido" (N.T: speed bench no original em inglês), você pode marcar o tempo de execução com um cronômetro e ver quanto tempo leva para realizar o movimento na amplitude completa. Só esteja certo de que a mecânica corporal dos atletas é correta antes de usar esta dica.
Levantamento Terra:
Para dicas externas:
→ "empurre o chão"
→ "exploda para fora do solo" (N.T: na subida)
→ "explodindo no alto" (N.T: subindo rápido).
→ "travar" (N.T: no momento que completa o movimento).
Se estiver usando algum tipo de "levantamento terra rápido" (N.T: speed deadlift no original em inglês), você pode marcar o tempo de execução com um cronômetro e ver quanto tempo leva para realizar o movimento na amplitude completa. Só esteja certo de que a mecânica corporal dos atletas é correta antes de usar esta dica.
Jump/Hop:
(N.T: jump é o salto com duas pernas e hop com uma. Abaixo 2 vídeos, um mostrando uma variação de jump e outro uma variação de hop. Vídeos de Mike Boyle)
Para dicas externas:
→ "aterrisse macio".
→ "aterrisse rapidamente" ou "crave na aterrissagem" (N.T: aterrissar firme, mais ou menos como as aterrissagens dos atletas de ginástica olímpica, "cravadas").
→ "aterrisse macio e rápido".
→ "alcance o teto".
→ "alcance o mais alto que puder".
→ "tente pegar uma bola acima de sua cabeça".
Conclusão
Como treinadores, estamos constantemente questionando nossos métodos, constantemente buscando nos tornarmos melhores no que fazemos. Entenda que o foco de atenção, frequência e feedback são componentes chave das propriedades de informação que compõe as instruções/dicas verbais. O segredo é ser criativo, ainda que sempre se respeitando os princípios do aprendizado motor. O elo entre o que é lido nos artigos e o que é colocado na prática diária é você – o treinador. Como comunica suas intenções e como os atletas percebem isso determina o que acaba acontecendo no treino. As opções são infindáveis e espero que este artigo ajude a torná-lo melhor naquilo que faz.
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