terça-feira, 22 de outubro de 2019

Feedback e Dicas Verbais - Parte 1


Artigo que fala sobre um tópico de fundamental importância e que ainda é pouco discutido: Como nos comunicarmos de maneira mais eficiente com as pessoas que treinamos. Publiquei há um tempo atrás um artigo nesta linha: Ciência das Dicas Verbais

Aos que quiserem ler no original em inglês: Feedback and Cueing - Making Them Work Together.

No texto as palavras performance e desempenho são usadas de maneira intercambiável, já que performance é usada no português. 



Feedback e Dicas Verbais - Fazendo com que Funcionem

Greg Dea



Movimento é uma saída de informações (N.T: Do original "output"), um desempenho, um comportamento. Quando treinamos alguém decidimos se o movimento é ou não satisfatório.

profissional com olhar atento usa o processo do treino do movimento para procurar por erros que estejam fora da margem do aceitável. Podemos denominar isso como "Largura de Banda da Performance", baseado em 3 elementos de parâmetros aceitáveis da população específica e a tarefa ou limites (RANGE) de segurança (Richard, A., Schmidt & Lee, 1999, 2014). 

(N.T: "Largura de Banda", do original Bandwidth, em termos gerais o termo se refere à quantidade de dados que podem ser recebidos/enviados em uma rede. No contexto do artigo irá se referir a uma faixa de tolerância com relação às tarefas de movimento propostas a um indivíduo. Tolerância em termos de erros na execução da tarefa).

Um movimento que tem um erro considerado indesejado ou inaceitável é aquele que:

       1. Reduz a eficiência.
       2. Diminui a chance de sucesso ou;
       3. Aumenta o risco de lesão.


Quando vemos movimento fora dessa "largura de banda", podemos usar estratégias de feedback (N.T: Retorno de informação) e dicas verbais para modificar o movimento das pessoas. 

Nesse artigo irei revelar as principais formas de feedback e dicas verbais usadas para mudar o comportamento no movimento, que é, performance. Referências serão fornecidas no texto e ao final do artigo. Vejamos as diferentes formas de feedback.


Feedback Intrínseco

Relacionado a como a pessoa se sente quando se move. Usar o feedback intrínseco tem como propósito revelar ao cliente o que ele sente quando se move. Existem 2 momentos distintos quando os profissionais deveriam chamar a atenção do indivíduo para como ele se sente:


1 - Quando ele desempenha o movimento de maneira satisfatória, e;
2 - Quando ele desempenha o movimento de maneira não satisfatória.   

Ambos são importantes para fornecer ao cliente um contraste, para que saibam como se sentem ao realizar um movimento bem/mal. Isso permite a detecção de erro e autocorreção, e, portanto, aprendizado.


Aqui vai uma dica prática: Quando o indivíduo desempenha de maneira insatisfatória, pergunte a ele como se sente, ou, como parece o movimento aos olhos dele.


Frequentemente, eles não estão prestando atenção a como se sentem, então é útil fazer com que repitam a tarefa e descrevam a você como se sentem ao realizá-la ou onde eles sentem algo. 

(N.T: Esse é um termo importante: Tarefa. Aparentemente nosso cérebro é orientado à tarefa e não aos músculos ou padrões de movimento. Mais sobre isso no texto).

Às vezes precisamos melhorar sua consciência ao perguntar em que parte do corpo eles sentem que está "mais ativa". Uma vez que respondam, anote suas palavras ao descreverem como se sentem (N.T: É comum nossos clientes responderem com um "não sei". Demonstrando que não tem a menor ideia a respeito)

Instrua-os a repetirem o movimento para que sintam novamente usando suas próprias palavras para conectá-los a como se sentem.














Feedback Aumentado

Uma vez que chamamos atenção a como o cliente se sente quando se move, podemos usar o feedback aumentado (aquele que vem do instrutor), que tem o objetivo de mudar o comportamento alertando o indivíduo para a proximidade com o movimento satisfatório. Um exemplo prático é descrito três parágrafos abaixo...mas primeiro irei descrever porque o feedback aumentado casa tão bem com o feedback intrínseco.


Um conceito chave que liga os feedbacks intrínseco e aumentado é que o primeiro fornece conhecimento de como sentimos o desempenho cinemático, enquanto que o segundo nos fornece o conhecimento do resultado do movimento.


Esta diferença é relacionada, embora sutilmente diferente, com um conceito ensinado pelo estimado Frans Bosch (N.T: Professor de aprendizado motor, preparador físico de velocistas e saltadores em altura, nos anos recentes serve de consultor para diversas organizações esportivas ao redor do mundo)

Professor Bosch tem levantado um erro crucial na maneira como nos comunicamos, ao tentar instruir partes do padrão de movimento, chamando a atenção do indivíduo para maneira com que ele se move, a biomecânica de seu movimento. Isso é referido como "Conhecimento da Performance".

Bosch se baseia em um grande corpo de pesquisa em controle motor para indicar que um cliente aprende melhor ao saber quando se move com sucesso em uma tarefa. Ele descreve isso como "Conhecimento do Resultado"

Os Feedbacks Intrínseco e Aumentado nos ajudam a superar o erro sutil de direcionar a atenção do cliente para o Conhecimento da Performance ao mudar sua atenção para como ele sente uma performance em particular quando ela resulta satisfatoriamente ou insatisfatoriamente (conhecimento da sensação da performance)

Isso muda nosso erro do conhecimento da performance, que não ajuda o aprendizado, para o conhecimento da sensação da performance quando essa performance tem um resultado que ajuda o aprendizado.

Imagine isto: Um cliente desempenha uma tarefa como acertar a raquete de tênis na bolinha, com a intenção de acertar no lado esquerdo do fundo de quadra, bem perto da linha de fundo. Digamos que a bola aterrisse no lado direito da quadra, perto da rede. Eles, e nós, podemos observar que o erro de movimento na tarefa tem um componente de distância e direção. 



Podemos descrever instantaneamente que a bola aterrissou na frente da zona pretendida (na frente ao invés do fundo de quadra) - essa é a direção - "na frente da". Podemos também instantaneamente descrever que a bola aterrissou em uma grande distância da zona pretendida, uma vez que a parte da frente da quadra, perto da rede, é relativamente distante do fundo de quadra, perto da linha. Isso fornece um componente de distância - "longe de".   




Dicas práticas: Quando o indivíduo desempenha uma tarefa, após receber o feedback intrínseco dele, diga o quão distante ele está do alvo, e em que direção foi o erro. "Sua bola aterrissou 8 metros antes da linha e à direita do alvo". Instrua-o para repetir o movimento para que chegue mais próximo do alvo. Para melhorar, o indivíduo terá que se organizar para melhorar a eficiência ou a potência de uma maneira que somente o sistema nervoso pode fazer, baseado em um alvo externo.

Vejamos um exemplo de academia. Um cliente é instruído a arremessar uma medicine ball na parede. 




Um feedback aumentado poderia ser: "Seu arremesso foi 1 metro abaixo do alvo na parede". O componente "1 metro..." nos dá a magnitude do erro, enquanto "abaixo" nos dá a direção.

O Feedback Aumentando, portanto, tem uma direção e uma magnitude do erro do resultado.



Combinar Feedback Intrínseco Aumentado em uma Largura de Banda

Combinar os feedbacks intrínseco e aumentado seria perguntar ao cliente o que ele sentiu, ou onde ele sentiu, quando ele atingiu a bola de tênis que aterrissou na parte da frente da quadra. De maneira similar o que ele sentiu ao arremessar a medicine ball 1 metro abaixo do alvo. 

Quando o cliente "reorganiza" seu padrão de movimento para que fique mais perto do alvo, podemos chamar sua atenção para o melhor resultado (conhecimento do resultado) e então perguntar o que ele sentiu, ou onde ele sentiu quando desempenhou melhor (conhecimento da sensação da performance).

Quando um movimento excede a tolerância de ser satisfatório é considerado fora da largura de banda aceitável e deve ser corrigido. Como foi declarado na introdução deste artigo, determinamos que a tarefa de movimento não foi aceitável se está muito fora da norma de uma determinada população, ou fora da norma da tarefa em si, ou fora da norma de segurança da tarefa.

Esta largura de banda, com tolerância, nos permite definir um alvo para as tarefas de movimento mas mantém uma tolerância para algum desvio do alvo - isso permite uma variação natural do movimento e previne o treinamento direcionado para a perfeição, que diminui a chance de sucesso.

Deixe-me reiterar isso - se almejamos a perfeição no movimento, diminuímos a chance de sucesso, reduzindo, portanto, a capacidade do cliente de detectar erros significativos. 

Ao fornece uma largura de banda, com tolerância, reduzimos a quantidade de feedback corretivo e equilibramos o feedback corretivo para comentários positivos. Uma largura de banda limita o uso do feedback para apenas "erros significativos".    



Pérola de Sabedoria: O Uso de Vídeo no Feedback
(Richard A. Schmidt & Lee, 1999, 2014)

Usar vídeo para analisar movimento, por si só, é "bastante ineficaz" como sugerido por evidência científica. Isso é particularmente verdadeiro quando o vídeo é usado de maneira não-direcionada (existem mais efeitos positivos no aprendizado quando certos aspectos do vídeo são apontados).




O feedback do vídeo pode não ser melhor do que fornecer conhecimento do resultado. Parece que a eficiência desse recurso é aumentada com o feedback do instrutor que chama a atenção do indivíduo para detalhes importantes e tira a atenção de detalhes irrelevantes. 



Pérola de Sabedoria: Timing do Feedback
Feedback durante o movimento, conhecido como Feedback Concorrente.

O feedback que é dado durante o movimento visa corrigir erros e direcionar a pessoa para mais perto do objetivo. Informação aumentada a respeito de erro no movimento é dada através de dicas verbais, visuais e táteis (ou cinestésicas) enquanto a pessoa está se movendo. Isso ajuda quem está aprendendo a corrigir erros rapidamente ou evitar que os cometa.

Em um estudo (Annett, 1959), os sujeitos submetidos ao feedback concorrente melhoraram o desempenho, mas foram incapazes de aprender com sucesso a tarefa sem o feedback. Resultados semelhantes também foram encontrados em anos mais recentes (R. A. Schmidt & G. Wulf, 1997).

O feedback através de meios táteis ou cinestésicos é também conhecido como "feedback fisicamente guiado" - ele ocorre quando o feedback é fornecido pelo profissional ou algum dispositivo. Isso visa prevenir diretamente a ocorrência de erros. O aprendiz é forçado a produzir padrões de movimento "corretos". O objetivo é:

        1. Reduzir e eliminar erros.
        2. Assegurar que se execute o padrão correto. 

Isso é importante quando o movimento é perigoso, por exemplo: movimentos de solo na ginástica, para prevenir danos das quedas; ou o uso de boias na natação; ou quando os erros podem custar caro como ao voar ou dirigir. Também pode ser importante quando a pessoa tem uma instabilidade estrutural como um ligamento rompido que não pode controlar o movimento articular. 

A pesquisa sugere que o aprendizado pode ser beneficiado por pequenas doses de feedback concorrente ou guiado, porém o impacto negativo se acumula rapidamente (Armstrong, 1970).


A figura acima mostra que em testes de transferência desempenhados com feedback concorrente ou guiados os indivíduos desempenham mal, levantando dúvidas sobre o valor de técnicas guiadas (N.T: Ou assistidas) como auxílio no aprendizado (Armstrong, 1970)



Feedback Após o Movimento - Opção 1 = Imediato

A pesquisa mostra que o feedback imediatamente após o movimento é prejudicial ao aprendizado. Ele pode impedir o aluno de processar o feedback intrínseco. Por exemplo, o cliente perde a oportunidade de pensar a respeito de como lhe parece ou como sente o movimento - este timing do feedback restringe a detecção de erros.



Feedback Após o Movimento - Opção 2 = Atrasado

Dicas práticas
:
 É recomendado que quando o profissional quer ensinar um movimento a um indivíduo ele deveria aumentar o tempo entre o movimento e seu feedback. Além disso, ele deve assegurar-se que o intervalo seja desprovido de outras atividades que demandam atenção (por ex.: conversar ou outras habilidades relacionadas ao movimento).

Questões que irão surgir, "Quanto tempo devo esperar antes de dar o feedback?" 
A pesquisa sugere que sem outras atividades no intervalo entre o movimento e o feedback (vários segundos até minutos), o instrutor não precisa se preocupar a respeito do atraso no feedback



Feedback com Atraso - Preenchido 

Entre a tarefa de movimento e seu
feedback se outra tarefa de movimento ou cognitiva for realizada (como dar feedback para outra pessoa) geralmente o aprendizado se degrada (Swinnen, 1990).
























Dicas práticas: O treinador pode ter um melhor efeito se esperar para dar o feedback após uma série de tentativas. Após uma tentativa, o mesmo movimento é desempenhado no intervalo entre a primeira tentativa e o feedback

Por exemplo: Em um teste de sentar/levantar (N.T: Existem diferentes tipos de protocolos para o teste de sentar-levantar, pode ser feito em uma cadeira ou a partir do solo por exemplo). "Na sua primeira tentativa os joelhos foram para dentro".


O indivíduo faz outras tentativas, sem o feedback aumentado do instrutor, isso pode aumentar a consciência do feedback intrínseco. Essa estratégia pode ser mais efetiva do dar feedback após cada tentativa (Anderson, Magill, Sekiya & Ryan, 2005).

Dicas práticas: O treinador também pode criar uma melhora aprimorada na qualidade de movimento se o indivíduo estima o sucesso no desempenho de sua tarefa. Se a pessoa estima sua performance e recebe um feedback aumentado a respeito dos resultados ela irá melhorar em maior grau do que apenas receber um feedback aumentado.

Estimar a performance é tão efetivo que se o treinador/instrutor der feedback 100% do tempo (prejudicial ao aprendizado), os efeitos negativos do feedback 100% do tempo são revertidos pela estimativa do sucesso dado pelo indivíduo (Liu & Wrisberg, 1997).







  
Atraso pós feedback   

Dicas práticas
:
 Deve existir ao menos 5 segundos entre o feedback e a próxima tentativa. A performance sofre se o tempo for menor. Atrasos mais longos normalmente não importam (Richard, A. Schmidt & Lee, 2014).




Resumo   

Existem muitas opções para o feedback e o artigo acima resumiu alguns conceitos. O ponto principal é que devemos chamar a atenção para como/onde o cliente sente quando desempenha um movimento de maneira satisfatória e insatisfatória e que podemos usar o feedback em uma variedade de formas (dicas verbais, visuais, táteis/cinestésicas) e o timing tende em direção a ser atrasado uma vez que o cliente tenha desempenhado com sucesso.



Acesse a parte 2 do artigo: Feedback e Dicas Verbais - Parte 2.




Referências bibliográficas  

Anderson, D. I., Magill, R. A., Sekiya, H., & Ryan, G. Support for an explanation of the guidance effect in motor skill learning. J Mot Behav, 37(3), 231-238. doi:10.3200/JMBR.37.3.231-238, 2005.

Annett, J. Learning a pressure under conditions of immediate and delayed knowledge of results. Quarterly Journal of Experimental Psychology, 11(1), 3-15. doi:10.1080/17470215908416281, 1959.

Armstrong, T. R. Training for the production of memorized movement patterns. Available from http://worldcat.org /z-wcorg/ database, 1970.

Liu, J., & Wrisberg, C. A. The effect of knowledge of results delay and the subjective estimation of movement form on the acquisition and retention of a motor skill. Res Q Exerc Sport, 68(2), 145-151. doi:10.1080/02701367.1997.10607990, 1997.

Schmidt, R. A., & Lee, T. D. Motor control and learning : a behavioral emphasis (3rd ed.). Champaign, IL: Human Kinetics, 1990.

Schmidt, R. A., & Lee, T. D. Motor learning and performance : from principles to application(Fifth edition. ed.). Champaign, IL: Human Kinetics, 2014.

Schmidt, R. A., & Wulf, G. Continuous concurrent feedback degrades skill learning: implications for training and simulation. Hum Factors, 39(4), 509-525. doi:10.1518/001872097778667979, 1997.

Swinnen, S. Interpolated activities during the knowledge-of-results delay and post-knowledge-of-results interval: Effects on performance and learning. Journal of Experimental Psychology: Learning, Memory and Cognition, 16, 14, 1990.