Mais um artigo nota 10 de Coach Boyle que trata da dor femoropatelar, assim como a ótima série de artigos escrita pelo meu amigo Alexandre Franco publicada aqui (quem não leu aproveite: Causa e Consequência). Ambos os artigos contém ótimas dicas práticas que podem ser muito bem aproveitadas por nós profissionais.
Só para constar, na maioria dos artigos eu coloco a sigla N.T o que significa: Notas do Tradutor.
Enjoy.
Dor Anterior no Joelho: Local da Dor x Origem da Dor
Mike Boyle
A dor anterior no joelho tem muitos nomes, mas infelizmente tem relativamente poucos tratamentos efetivos. Condromalácia patelar, Tendinite patelar e Síndrome patelofemoral são todos nomes usados para descrever vários tipos de dores, frequentemente debilitantes, no joelho. Uma grande parte do problema no tratamento da dor anterior no joelho pode ser que o tratamento muitas vezes é focado na articulação do joelho, ou o que poderia ser descrito como local primário da dor. Na realidade, o joelho pode ser o repositório de dor que tem origem em problemas no quadril ou no pé. Uma abordagem de tratamento centrada no joelho torna-se uma abordagem baseada no sintoma ao invés de uma abordagem baseada na causa. Em outras palavras o tratamento frequentemente é focado em eliminar o sintoma chave versus tentar eliminar a causa.
Interessantemente a pesquisa atual está levando à conclusão que muitos dos incidentes de uso excessivo do joelho não são incidentes unicamente do joelho. Dor anterior no joelho pode de fato ser mais um sintoma do que um diagnóstico. Todas as condições mencionadas na frase de abertura podem de fato estar relacionadas à pouca estabilidade no quadril mas apresentarem-se como dor no joelho (Powers, 2003). A analogia que temos usado frequentemente para descrever porque isso ocorre é a que eu me refiro como “a analogia da corda”. Se eu colocar uma corda frouxa em volta do seu pescoço, e ficando na sua frente eu puxar a corda, você me diria que a parte de trás do seu pescoço dói. Se eu simplesmente parar de puxar a corda sua dor no pescoço desapareceria. O fato que importa é que realmente nada havia de errado com seu pescoço. O pescoço era simplesmente o ponto final em que você sentiu o puxão. Isto é muito parecido ao efeito do glúteo médio e glúteo máximo puxando no trato iliotibial e resultando em dor no joelho. O trato iliotibial transmite forças do glúteo médio ao tendão patelar. Por alguma razão o tendão patelar sente dor, assim como a parte de trás do pescoço sente o puxão da corda.
Outra causa potencial da dor anterior no joelho pode ser uma perda involuntária de mobilidade do tornozelo. O zelo dos treinadores em estabilizar o tornozelo com os tênis (N.T: tênis de cano alto usados no basquete), tapes e braces tem levado muitos atletas a jogarem com articulações de tornozelo que funcionam como se estivessem fundidas. A realidade é que no basquete (o esporte líder em dor anterior no joelho) entorses graves de tornozelo são menos freqüentes e dores patelofemorais tem alcançado níveis quase epidêmicos.
O desejo de excesso de estabilização na articulação tem levado ao fenômeno que nós chamamos de “entorse alta de tornozelo” e a uma epidemia de problemas no tendão patelar. A entorse de tornozelo alta era virtualmente desconhecida 20 anos atrás e também pode ser um subproduto do excesso de estabilização do tornozelo. Interessantemente o futebol tem poucos problemas no tornozelo e patelofemorais, no entanto os jogadores usam um calçado baixo e leve, na grama. Treinar com menos estabilidade artificial na articulação do tornozelo provavelmente protege o tornozelo e o joelho
Durante a última década. Dor anterior no joelho tem sido relacionada a fraqueza no vasto medial oblíquo (VMO), trajetória alterada da patela e numerosas outras causas. A maioria dos tratamentos tem se centrado em tentar reduzir a dor no local com vários tipos de tratamentos (gelo, taping, ultrasom, etc...) A realidade é que um programa agressivo de fortalecimento dirigido do quadril para baixo, particularmente o controle excêntrico de flexão, adução e rotação interna do joelho pode ser, na realidade, mais efetivo. O estudo de Ireland (Ireland et al. 2003) afirma claramente que “mulheres que se apresentam com dor patelofemoral demonstram significativa fraqueza na abdução e rotação externa do quadril quando comparada ao grupo controle não sintomático”. Fortalecimento da extremidade inferior feito com ênfase no controle do quadril em combinação com um programa de treinamento pliométrico unilateral progressivo, para abordar o componente excêntrico e estabilidade neural pode permitir que muitos indivíduos experimentem alívio de longo prazo.
Pesquisas recentes tem validado o que até agora era um sentimento empírico. Há três anos atrás, todos os atletas que treinavam em nosso centro de treinamento eram avaliados para dor no quadril (palpação do glúteo médio) quando reclamavam de dor na região anterior do joelho. Nós notamos perto de 100% de correlação entre dor na região anterior do joelho e desconforto no glúteo médio. Todos os nossos atletas com dores no joelho acusavam desconforto no glúteo médio do quadril do lado afetado. Liberação de tecido (soft tissue work) para o glúteo médio (Rolo de Espuma, bola de tênis, massagem) causou uma significante redução de dor na patela em quase todos os casos. Muitos atletas apresentaram fraqueza de glúteo médio quando testados manualmente. A conclusão é obvia, estabilizadores do quadril fracos proporcionam maior instabilidade no joelho e flexão de quadril com um componente adicional de adução e rotação interna. Esses problemas de controle resultam em uma sensação dolorosa na articulação patelofemoral ou no tendão patelar.
Outro estudo no ano passado (verão de 2006) nos fez dar mais atenção aos músculos adutores, outro grupo de estabilizadores do quadril. Em 2006, além de observamos a estrutura lateral do quadril como potencial causador de dor no joelho, nós também passamos a prestar atenção aos níveis de forca e hiperatividade dos adutores. Após investigações mais aprofundadas encontramos fraqueza no grupo muscular adutor do quadril, com um padrão de substituição dos flexores de quadril pelos adutores, assim com obvia presença de pontos gatilho (N.T: trigger points) nos adutores.
A chave para ambos: a causa e a solução caem em cima da programação de treinamento dominante no plano sagital, tão prevalente no sistema americano (N.T: no Brasil também não é diferente). A maioria dos programas de treinamento são classicamente dominantes no plano sagital assim como também são bilaterais. Parece bem claro que a solução para as dores no joelho está em melhorar o controle do movimento no quadril, joelho e pé no plano frontal, e que exercícios unilaterais precisam ser empregados, tanto para desenvolvimento de forca como também para desenvolvimento de potencia, para abordar esses problemas.
Além disso, o treinamento de força unilateral para os membros inferiores deve girar em torno do que chamamos de exercícios unilaterais sem suporte, como variações de agachamentos e levantamentos terra unilaterais. Exercícios unilaterais dominantes de joelho como: agachamento de base alternada e agachamento unilateral com suporte podem fornecer estímulo adequado no plano sagital, mas não fornecem estímulo suficiente para as estruturas do quadril nos planos frontal e transverso. O atleta precisa estar de pé, apoiado em um pé só e com o pé oposto não tendo contato com o solo ou qualquer outro objeto ou superfície. Na essência o ato de estar de pé em um pé só e realizar um agachamento unilateral, torna o exercício tri-planar embora o atleta esteja se movendo somente no plano sagital. Tendo apenas um pé em contato com o solo força as estruturas do quadril (abdutores e rotadores externos) a estabilizarem contra movimentos nos planos frontal e transverso. Nesses exercícios unilaterais sem suporte permitiremos uma amplitude de movimento menor a fim de desenvolver controle no quadril. Esta é a maior exceção em nosso sistema já que sempre usamos amplitude total do movimento. O objetivo é conseguir sempre uma amplitude livre de dor, usando a resistência do peso corporal antes de adicionar qualquer carga externa.
A exceção será a adição de 1 par de halteres de 2 kg para permitir a mudança de peso em direção ao calcanhar. Temos chamado este conceito de exercício de amplitude de movimento progressiva. A progressão é na amplitude de movimento ao invés de ser na carga usada, provocando assim um controle progressivo do movimento do quadril.
O programa de tratamento a seguir é sugerido para síndromes de dor patelofemorais:
Passo 1 – Trabalho nos tecidos moles para o glúteo médio com uma bola de tênis e rolo de espuma, ou um fisioterapeuta ou treinador qualificado – se disponível.
Técnicas de Auto Liberação Miofascial:
Isquiotibiais:
Adutores:
Trato iliotibial:
Quadríceps:
Glúteo Máximo:
Panturrilha:
Passo 2 – Uso do Treinamento Neuromuscular Reativo (N.T: do original em inglês RNT: Reactive Neuromuscular Training) para os abdutores do quadril em conjunto com um programa de fortalecimento para o joelho e extensores do quadril como foco em exercícios de perna unilaterais sem suporte e progressiva amplitude de movimento, se necessário.
O termo Treinamento Neuromuscular Reativo pode ser confuso, pois o mesmo termo é aplicado por 2 terapeutas, muito respeitados, para expressarem dois processos de pensamento muito diferentes. Mike Clark da Academia Nacional de Medicina Esportiva (N.T: NASM – National Academy of Sports Medicine) uso o termo para todos os efeitos no lugar do termo pliometria. O fisioterapeuta Gray Cook, por outro lado, usa o termo Treinamento Neuromuscular Reativo aplicado a um processo de pensamento inteiramente diferente, O conceito de Cook envolve aplicar um stress a uma articulação em oposição à ação de determinados grupamentos musculares. Em outras palavras para trabalhar os abdutores do quadril de forma eficiente uma tira de borracha é colocada ao redor dos joelhos, e a perna é puxada por uma força de adução. A aplicação dessa força de adução irá ativar a ação dos abdutores.
Agachamentos unilaterais sem suporte com amplitude de movimento progressiva e ênfase no Treinamento Neuromuscular Reativo é um prato cheio em qualquer programa de treinamento. O fundamental é que o atleta está em pé sobre um pé só. Em uma sessão com o fisioterapeuta ou com o Personal Trainer a força de adução pode ser fornecida pelo terapeuta ou o trainer com um pedaço de teraband, etc... Em uma situação de treino em grupo a força de adução pode ser fornecida por um pedaço de Theratube como indicado no vídeo 2. No vídeo 2 o glúteo médio é ativado para contrariar a força de adução da borracha (cortesia de Shad Forsythe, Especialista em Performance da Athletes Performance de Los Angeles).
Vídeo 1 – Agachamento Unilateral sem Suporte:
Vídeo 2 – Treinamento Neuromuscular Reativo (RNT) para o Glúteo Médio:
Passo 3 – Fortalecimento da Extensão do Quadril. Fortalecimento dos extensores do quadril deve incluir 3 padrões de movimento distintos. Padrão um é o padrão com a perna reta, como no levantamento terra unilateral (com o joelho da perna de apoio flexionado à 20º).
O padrão dois é um padrão de movimento com a perna dobrada que incorpora a mecânica aprendida nos exercícios de ponte do treinamento do core. O padrão três é um padrão de flexão do joelho que incorpora a função dos glúteos como extensores do quadril.
• Padrão 1 - Levantamento terra unilateral com halter ou kettlebell ou no pulley baixo (com cabos).
Terra Unilateral - alcançando:
• Padrão 2 - Pontes e suas variações unilaterais, progredindo desde o exercício feito no solo passando pela bosu ball, bola “feijão” (um plano de estabilidade) até chegar a bola tradicional (instabilidade multiplanar). Estes exercícios tem como alvo os glúteos e com a adição de instabilidade, o grupo muscular dos rotadores do quadril.
Ponte Bilateral - no solo:
Extensão de quadril bilateral - na bosu ball:
Extensão de quadril unilateral - na bosu ball:
• Padrão 3 - Variações de flexão de joelho no slide (N.T: No original slide leg curl). O mais importante neste padrão é os glúteos funcionarem isométricamente para manter a extensão do quadril enquanto os isquiotibiais atuam flexionando e estendendo o joelho. Qualquer flexão no quadril diminui o grau de eficiência desta classe de exercícios. Mesmo um grau de movimento no quadril nega a função do glúteo. A melhor progressão a ser ensinada é começar em posição de ponte com os glúteos e a parede abdominal contraídos e excentricamente trazer o quadril até o chão.
Flexão de Joelhos no Slide:
Passo 4 – Treinamento concêntrico dos abdutores do quadril. Embora muitos possam argumentar que exercícios uniarticulares de isolamento não são funcionais, ainda é necessário treinar a ação concêntrica dos abdutores do quadril. Isto pode ser feito com uma simples abdução do quadril deitado (N.T: Usando borrachas ou as tradicionais caneleiras ou ainda para os iniciantes com o peso da perna mesmo) ou abdução do quadril em pé em um pilates reformer ou em um MVP Shuttle.
(N.T: Neste vídeo Coach Boyle demonstra um exercício de abdução do quadril com a resistência da borracha).
Pontos de Ênfase:
•Core – O treinamento do core deve sempre ser incluído em qualquer programa de treinamento, mas para indivíduos com dor patelofemoral exercícios em 4 apoios e variações de pontes devem ser usados para enfatizar a função do glúteo máximo e glúteo médio.
•Condicionamento/Resistência Muscular – Andar de costas é outro excelente exercício para o atleta com dor patelofemoral. Andar de costas fornece menos stress à articulação patelofemoral e é na realidade uma série de extensões terminais do joelho em cadeia fechada. Essa caminhada pode iniciar na esteira com um trabalho intervalado com um aumento progressivo da inclinação e progredir para andar de costas com uma resistência anterior (sled – é um trenó em que se adicionam pesos, cinta elástica).
•Força Muscular Excêntrica – O trabalho de força deve ser focado em exercícios pliométricos unilaterais com ênfase em habilidades de aterrissagem, os saltos devem ser feitos para frente, assim como lateralmente e medialmente. Além disso o MVP Shuttle pode ser usado para desenvolver habilidades de aterrissagem para atletas retornando de lesão ou para àqueles cujo peso corporal não é proporcional à seu nível de força.
(N.T: Coach Boyle fala no artigo em saltos unilaterais, mas os vídeos relacionados abaixo mostram saltos bilaterais. Provavelmente uma progressão anterior à adição de exercícios pliométricos unilaterais. Nos meus programas eu sempre inicio por exercícios bilaterais para após progredir para saltos unilaterais).
Box Jumps:
Jump Squats:
Hurdle Squats:
A chave para combater a dor femoropatelar é adotar uma abordagem diversificada que trabalhe na fonte da dor versus o local da dor e que leve em consideração todas as funções da extremidade inferior.
Bibliografia:
Powers, Christopher ,The Influence of Altered Lower Extremity Kinematics on Patella Femoral Joint Dysfunction, Journal of Orthopedic and Sports Physical Therapy, 2003;33: 639-646.
Ireland et al Hip Strength in Females with and without Patella-Femoral Pain. Journal of Ortho
Mestre, tbm utilizo o mesmo padrao q o Cook p/ RNT. Muito disso veio das dicas do Zé qdo fizemos o curso do Theraband.
ResponderExcluirOutra coisa q vale salientar eh o aumento do angulo de anteversao do colo femoral ( vem de fabrica eeheheh) q acaba dando muito incomodo, principalmente em mulheres na patelo-femoral.
abço
Mestre, sempre com comentários pertinentes. Tenho tido bons resultados usando RNT, realmente acorda estabilizadores adormecidos.
ResponderExcluirExcelente!!!!!!
ResponderExcluirBoa Noite Marcus, após ler esse seu post, mais o que você recomendou no início e um artigo em inglês que estava no post recomendado por voce no início deste, montei uma série para uma aluna e os resultados obtidos foram extremamente satisfatórios. Essa abordagem diferenciada da origem/causa da dor femoropatelar. Agora estou dando continuidade no trabalho com um fortalecimento maior com outros exercícios e o resultado está sendo acima do esperado.
ResponderExcluirLegal André, que os conceitos dos artigos postados aqui possam alcançar cada vez mais profissionais. Não tenho dúvidas que os resultados serão positivos.
ResponderExcluirAbraço.
Ola amigos..
ResponderExcluirgostei muito do post e ao ler decidi indicar que assistam o vídeo do prof. Thiago Fukuda em uma apresentação que aborda o tema!
Espero que gostem, pois pessoalmente sempre que assisto o vídeo somo novas informações.
segue o link pelo youtube: http://www.youtube.com/watch?v=QmC2ktPwd5w
Dr. Thiago Fukuda - SDFP Grupo Joelho Campinas 2011
espero ter contribuido
beijos galera!
É exatamente o que disse o camarada que está dando a aula nos primeiros 5 minutos de vídeo (com outras palavras, claro), olhar a causa e não a consequência.
ResponderExcluirExcelente artigo,obrigado
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