sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Fáscia Toracolombar

Mais um ótimo artigo do Preparador Físico e Terapeuta Manual do Arizona Patrick Ward (optimumsportsperformance.com), discutindo o papel da Fáscia Toracolombar.
Espero que gostem, abraço a todos.

Fáscia Toracolombar: Uma Área Sensorial Rica em Atividade
Patrick Ward


A fáscia toracolombar pode ser vista como uma área de transição entre as extremidades superior e inferior onde forças são transferidas nos movimentos atléticos e esportivos. Por esta razão, a fáscia toracolombar desempenha um papel integral no sistema de movimento do corpo já que ela conecta muitos sistemas articulares: Quadril, pelve, coluna lombar e torácica. Também, considerando que o grande dorsal tem inserções na fáscia toracolombar e insere no tubérculo menor do úmero, a articulação glenoumeral também pode ser pensada como conectada com a fáscia toracolombar. Adicionalmente, a fáscia cervical e a da toracolombar são contínuas, de modo que este efeito estrutural fascial pode ser visto na cervical e até mesmo na região cranial.

Por esta razão a fáscia toracolombar pode ser uma área importante para tratamento tanto em casos de lesão/patologia ou no desenvolvimento de protocolos de recuperação/regeneração para certos atletas.


Três Camadas da Fáscia Toracolombar:

A fáscia toracolombar pode ser pensada como tendo 3 camadas que ajudam a separar os músculos desta região em compartimentos:

• Camada Anterior – Inserção do aspecto anterior dos processos transversos das vértebras lombares e a superfície anterior do quadrado lombar.



• Camada Intermediária – Inserção da extremidade medial do processo transverso dando origem ao transverso abdominal.


• Camada Posterior – Cobrindo todos os músculos da região lombo-sacra através da região torácica, tão acima até as inserções dos esplênios. Adicionalmente esta camada posterior insere na aponeurose dos eretores da espinha e do glúteo máximo. É na camada posterior que o glúteo máximo e o grande dorsal contralateral têm uma ligação e juntos permitem movimentos contralaterais entre as extremidades superior e inferior, tornando possível correr e caminhar.


Juntos os músculos que se conectam às 3 camadas da fáscia toracolombar ajudam a fornecer tanto estabilização como um papel biomecânico para o corpo. Adicionalmente a vasta quantidade de mecanoreceptores nesta região sugere a importância da fáscia toracolombar para cumprir um papel sensorial, tornando-a um alvo para a terapia manual.


Papel Estabilizador

O transverso abdominal, oblíquo interno e o quadrado lombar inserem-se em porções da fáscia toracolombar. De acordo com Neumann (2010), o transverso abdominal fornece estabilização (usando um mecanismo antecipatório/feed forward) da região lombo pélvica através do tensionamento da fáscia toracolombar, aumentando a pressão intra abdominal. A conexão da fáscia abdominal com os ligamentos posteriores da coluna lombar a permite assistir no suporte da coluna quando esta é flexionada, desenvolvendo tensão fascial que ajuda no controle da parede abdominal (Gracovetsky, 1981) e isso pode fornecer alguma função sensorial ao corpo, ajudando tanto no controle postural como na atividade reflexa de proteção Yahia, ET al., 1992).

O papel biomecânico da fáscia toracolombar é geralmente entendido pelos indivíduos que trabalham na preparação física e na reabilitação. Programas de exercícios ou programas desenvolvidos para o “core”, são tipicamente concebidos para fornecer algum tipo de atividade de estabilização de músculos nesta região. No entanto, o conhecimento do papel dos miofibroblastos e mecanoreceptores da fáscia toracolombar, pode exigir-nos um olhar um pouco mais profundo se desejamos promover maiores mudanças na função do corpo humano.

Miofibroblastos são células que tem uma espécie de dupla função, sendo parte fibroblastos e parte músculos lisos. É devido as suas propriedades de músculo liso que os miofibroblastos podem contrair-se por conta própria – como outras células musculares lisas – colocando-as sob o controle do sistema nervoso autônomo e permitindo ao sistema nervoso autônomo, potencialmente regular a pré-tensão fascial independentemente do tônus muscular. Portanto, o sistema fascial é um órgão adaptativo que quase que possui “vida própria”.

Schleip e colegas (2006) mostraram que a fáscia toracolombar, através de seus miofibroblastos tem a capacidade de se contrair em situações de contraturas crônicas de tecidos, tal como uma remodelagem tecidual, ou durante contrações parecidas com a contração de músculos lisos, que pode influenciar a estabilidade lombar. Além disso, Yahia et al. (1993) mostraram que a fáscia toracolombar tem a habilidade de se contrair espontaneamente quando o tecido é alongado, e sustenta um comprimento constante repetidamente, causando um lento inicio de aumento da resistência por parte da fáscia. Esta informação pode ser potencialmente benéfica no entendimento de patologias onde está presente uma rigidez miofascial aumentada. No entanto, influenciar o sistema a fazer mudanças nessa rigidez é uma questão mais difícil.


Isso nos Remete de Volta a Respiração?

Dado as propriedades de musculatura lisa e do controle que o sistema nervoso autônomo pode ter sobre a rede fascial, talvez uma janela potencial em lidar efetivamente com um tônus miofascial aumentado pode circular em torno da respiração.

A função respiratória está em um âmbito do sistema nervoso autônomo do qual temos controle sobre. Podemos mudar nossa respiração e ajudar a provocar uma resposta parassimpática, permitindo um maior relaxamento e potencialmente diminuir o tônus/tensão do tecido, esperançosamente levando a um estado mais confortável de diminuição da percepção de ameaça. Adicionalmente, o papel do diafragma em estabilizar a região lombar não pode ser negligenciado, e o fato é que ele compartilha uma conexão fascial com o quadrado lombar (assim como o psoas maior), e as fibras do transverso abdominal também inserem-se em partes do diafragma, significando que o diafragma está em uma potencial posição primária, de ter uma influência sobre a fáscia toracolombar, sendo que todos estes músculos tem inserções em suas estruturas fasciais.



Terapia Manual da Fáscia Toracolombar

A fáscia toracolombar é ricamente inervada com mecanoreceptores, fornecendo a ela um forte papel sensorial e tornando-a um alvo para a terapia manual.

Existem muitas maneiras de abordar o corpo com a terapia manual. A idéia de tratar a “fáscia” tem sido tema de discussões acaloradas nos últimos tempos e frequentemente os terapeutas estão fazendo coisas similares, no entanto explicando-as de maneiras diferentes, levando a grandes debates semânticos. Com relação a tratar a fáscia eu acredito que é importante não deixar de fora o sistema nervoso, já que o objetivo de qualquer tratamento manual é de causar algum efeito no cérebro, criando um efeito propício para a cura – um que diminua a percepção de uma ameaça global, diminuindo o medo, e abrindo uma janela para que o indivíduo desempenhe algum tipo de atividade não dolorosa, o que aumenta a confiança, e cria um relaxamento (novamente, ajudando a criar uma resposta parassimpática).

Vários tipos de receptores tem sido encontrados nos tecidos conectivos (não apenas na fáscia toracolombar), como os corpúsculos de pacini, ruffini, receptores de golgi e outros. Diferentes receptores são responsivos a diferentes tipos de técnicas e formas de terapia. Por exemplo, receptores de pacini são responsivos a mudanças de pressão e vibrações, enquanto que os de ruffini são responsivos a pressões sustentadas e forças tangenciais com em um alongamento lateral.


Aplicações Práticas

A fáscia toracolombar desempenha um papel importante no movimento humano e não serve somente como um local de inserção para numerosos músculos nas regiões lombar, sacral e torácica, mas também é uma importante área de transição entre as extremidades superior e inferior onde forças são transferidas para permitir uma função coordenada.

Entender as implicações que a fáscia toracolombar exerce sobre o corpo, ajudará terapeutas a desenvolverem programas de exercícios e tratamentos manuais para reabilitação ou regeneração (para ajudar a aumentar o relaxamento nesta área, entre as competições esportivas, prevenindo stress repetido e tensão excessiva que são comuns no esporte).

As propriedades de musculatura lisa apresentadas pela fáscia, indicam um papel potencial do sistema nervoso autônomo em regular o tônus fascial. Por esta razão, entender o nível de stress individual do atleta, assim como sua tolerância ao stress, pode ser útil em administrar a tensão fascial geral. O pH corporal desempenha um importante papel na tensão fascial, já que um pH muito alcalino cria vasoconstrição e um tônus muscular aumentado. O pH corporal pode ser influenciado por um aumento nos níveis de ameaça e mudanças na respiração, o que causa alterações no CO2 expirado. Assim, respiração, relaxamento, e/ou meditação, podem ser maneiras potenciais em que o sistema fascial pode ser influenciado em uma sessão de treinamento ou reabilitação. Administrar o stress com uma variedade de modalidades de recuperação entre competições, pode ajudar a manter os atletas saudáveis e competindo bem.

Finalmente, o alto número de mecanoreceptores encontrados na fáscia toracolombar (e em toda fáscia), indicam que o sistema fascial desempenha um importante papel sensorial para o corpo. Várias terapias manuais podem ser utilizadas para influenciar o sistema sensorial (e o cérebro), para ajudar a diminuir o tônus/tensão, melhorar a propriocepção e a consciência da área sendo tratada, diminuir a percepção de ameaça, aumentar o relaxamento e fornecer uma janela para o sistema nervoso parassimpático, o que pode potencialmente criar o ambiente ideal para a cura.

Levando tudo isso em consideração, quando avaliar o atleta é importante olhar para o corpo inteiro e manter em mente que a fáscia toracolombar compartilha uma conexão com muitas estruturas, e sua influência pode ser vista tão distante como na coluna cervical e nas extremidades. Com isto em mente, a fáscia toracolombar pode ser uma área potencial para a terapia quando se tenta influenciar outras partes do corpo.



Referências:

Chaitow L, Delany J. Clinical Application of Neuromuscular Techniques – Volume 2: The Lower Body. Churchill Livingstone. Philadelphia, PA. 2002.

Benjamin M. The fascia of the limbs and back – a review. Journal of Anatomy 2009; 214: 1-18.

Neumann D. Kinesiology of the hip: A focus on muscular actions. J Ortho Spors Phys Thera 2010; 40(2): 82-94.

Schleip R, Klinger W, Lehmann-Horn F. Fascia is able to contract in a smooth muscle-like manner and therby influence musculoskeletal mechanics. Proceedings of the 5th World Congress of Biomechanics, Munich, Germany. 2006. 51-54.

Hammer WI. Functional Soft-Tissue Examination and Treatment by Manual Methods. Jones and Bartlett Publishers. Sudbury, MA. 2007.

Schleip R. Fascial Plasticity: A new neurobiological explanation part 1. Journal of Bodywork and Movement Therapies 2003; 7(1): 11-19.

Schleip R. Fascial Plasticity: A new neurobiological explanation part 2. Journal of Bodywork and Movement Therapies 2003; 7(2): 104-116.

Yahia L, et al. Sensory innervation of human thoracolumbar fascia: An immunohistochemical study. Acta Orthop Scand 1992; 63(2): 195-197.

Hoheisel U, et al. Nociceptive input from the rat thoracolumbar fascia to lumbar dorsal horn neurones. Euro J Pain 2011; 15: 810-815.

7 comentários:

  1. Show de bola Marcão, continua assim, sempre com aprofundamento, ótimo texto escolhido.

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  2. Valeu Felipe.
    Creio que isto beneficia a todos nós não?
    Uma questão que me inquieta muito é: - De que forma podemos ser mais eficientes no resgate de padrões de movimento?
    E como estamos percebendo, a fáscia desempenha um papel importante nisso e parece que o sistema nervoso autônomo desempenha um papel regulador ainda mais importante ao regular o tônus fascial. Continuemos fuçando hehehehe.
    Grande abraço.

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  3. Tudo bem Marcos?!
    Tenho acompanhado seu blog e aprendido muito com as publicações. Obrigado.
    Ao falar que o PH desempenha um papel importante na tensão fascial ele quer dizer que atletas que possuem um cond. cardio resp. melhor conseguem manter seus MMS mais relaxados durante as competições e obter uma recuperação mais rápida?
    Outra duvida é se o aumento do nivel de co2 na corrente sanguinea pode prejudicar o trabalho dos mecanoreceptores alterando a capacidade proprioceptiva do individuo?

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  4. Bah Thiago não me faz pergunta difícil!!! hehehe
    Cara com relação as tuas perguntas eu particularmente não tenho a resposta mas do texto posso dizer o seguinte: Do que ele escreveu no texto creio que se refira mais as mudanças no padrão respiratório e não em condicionamento do sistema cardio. Quantas pessoas vc já viu com excelente condicionamento cardio que tem respiração apical? Algumas não é? Acho que o Ward se refere mais em relação a isto. Qto da relação CO²/Mecanoreceptores realmente não sei te responder pois nunca vi nada relacionando. O que em absoluta não quer dizer que não possa haver relação.
    Mas tu pode perguntar direto pro autor (http://optimumsportsperformance.com/blog/?p=2066#comments).
    Transferi a responsa hehehehe.
    Abraço.

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  5. Belo artigo Marcus Lima. Tenho uma diferença do lado esquerdo para o direito da região da fascia toracolombar, como posso corrigir isto ? Obrigado

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  6. Lendo esse artigo, consegui abstrair pela primeira vez a o papel do diafragma na estabilização do core... Agora entendo o papel da ativação do cilindro na proteção/estabização do tronco nos movimentos...

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    1. Saturnino, nós, na Fortius, temos gerado bastante conteúdo sobre o papel do diafragma na estabilização do Core. Baseado no trabalho da Escola de Reabilitação de Praga, temos trazido o curso deles também, o DNS. Cadastra na newsletter no site www.fortius.com.br que nas próximas semanas começaremos uma série que fala sobre a estabilização no levantamento de peso. Garanto que vais gostar.

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