quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Além do Arredondamento da Lombar - parte 3

Finalizando o artigo que traça um panorama sobre questões anatômicas relacionadas ao formato do quadril. 

Na parte 1 o foco foi em cima do que dizem as pesquisas à respeito das diferenças anatômicas e quais são as possíveis repercussões dessas as diferenças. A parte 2 destacou os testes que podem ser usados para termos uma noção da configuração da articulação.

Agora a parte 3 fala sobre quais exercícios seriam indicados baseado na possível configuração anatômica. 

Aos que não leram as duas partes anteriores:
- Além do Arredondamento da Lombar - parte 1.
- Além do Arredondamento da Lombar - parte 2.




Além do Arredondamento da Lombar no Agachamento - Parte 3

Dean Somerset














Nas duas partes anteriores analisamos as pesquisas que tratam das variações anatômicas da estrutura do quadril e o risco relativo de lesões associado com alguns destes alinhamentos. Também vimos quais métodos podem ser usados para uma autoavaliação que determine não somente o possível formato do quadril, mas também a amplitude de movimento disponível para padrões como o agachamento.

Nesta última parte, analisaremos os métodos específicos que podem ser usados para trabalhar dentro destes limites e possibilidades das geometrias específicas do quadril, e também como se posicionar em diferentes exercícios para otimizar o desempenho enquanto ao mesmo tempo se reduzem os riscos de lesões.

Em geral existem algumas configurações chave a serem postas em consideração. Primeiro, o acetábulo pode estar orientado em uma posição antevertida ou retrovertida. Se nenhum desses termos significam alguma coisa para você acesse os links das 2 primeiras partes dessa série para uma revisão.

A orientação do acetábulo pode ser mais inferior ou lateral, como determinado pelo teste de "Scour" do quadril (N.T: Mostrado no vídeo do Dr. Stuart McGill na parte 2).
"Hip Scour Test": Originalmente um teste ortopédico, nesse contexto é modificado para outros propósitos.


Se o traçado do movimento é a flexão até 90° e o fêmur não passa desses 90° de flexão, a posição do acetábulo é mais inferior e potencialmente retrovertida. Se o quadril pode flexionar ainda mais com uma leve abdução, o posicionamento é mais lateral e possivelmente antevertido em alguma medida. Se o quadril permite a flexão quado abduzido, mas quando o fêmur está mais próximo da linha média há restrição, então o acetábulo tem um formato elíptico ou o que é conhecido como retroversão focal. 


Fern & Norton (N.T: Não consegui encontrar a referência exata a que ele se refere e de onde tirou a figura abaixo) mostram algumas variações como estas.

Segundo, ainda que igualmente importante é se o colo femoral é espesso ou o acetábulo é muito profundo. Em muitas instâncias, isto pode ser determinado com avaliações individuais, mas é mais reflexivo do movimento geral do quadril. Se alguém tem um alto grau de mobilidade, a probabilidade de ter um colo femoral fino e um acetábulo raso é muito alto. Se ele tem a mobilidade restrita, provavelmente possui um acetábulo profundo e um colo femoral espesso. Essa combinação, independente da orientação do acetábulo irá limitar o diâmetro da amplitude de movimento cônica do quadril devido ao contato precoce do fêmur com o acetábulo em comparação com a primeira configuração, mais favorável.




Então vamos analisar em detalhes as diferentes configurações e como elas impactam o movimento.


1. Acetábulo antevertido, posicionamento lateral, colo femoral fino com acetábulo raso 

Estas pessoas são construídas para agachar. Conseguem alcançar uma descida completa sem problemas e tem pouco ou nenhum risco de desenvolver impacto ou flexão lombar na parte final da descida do movimento. Podem apresentar boa extensão ou apenas chegar ao neutro. Também podem ser considerados quase hipermóveis devido às grandes amplitudes de movimento no quadril que conseguem alcançar.

Na maior parte dos casos, o posicionamento dos pés não será muito específico. A maior liberdade do quadril virá com uma ligeira rotação externa dos pés e ligeira rotação externa nos joelho para o agachamento e o levantamento terra. Estas são as pessoas que todos dizem que você deveria imitar quando falam da "mecânica ideal" dos levantamentos.



2. Acetábulo antevertido, posicionamento inferior, colo femoral fino com acetábulo raso

Estas pessoas podem agachar, mas necessitam uma base ligeiramente mais ampla com os pés ligeiramente virados para fora para desempenharem bem. Se agacham com os pés próximos um do outro vão sentir algum impacto a alcançar um ponto de restrição do movimento, mas mover os pés ligeiramente mais afastados e virar os pés um pouco para fora resulta em conseguirem alcançar a profundidade necessária do agachamento, como uma chave que destranca a porta. A flexão é ótima com ligeira abdução e rotação externa (N.T: Do quadril) e a extensão é normalmente um pouco além da posição de quadril neutro. 

As posições mais benéficas para estas pessoas serão uma base ligeiramente mais largas do que o neutro (N.T: Pés na largura dos ombros seria o considerado o neutro para o agachamento), leve rotação externa do quadril e estarem conscientes de quando começa a rodar a pelve/lombar na descida do agachamento. Normalmente isso irá acontecer abaixo dos 90° de flexão do quadril, mas não conseguirão chegar com a bunda no chão, a menos que usem uma base muito larga. Porém com esse posicionamento provavelmente irão desenvolver alguma irritação no quadril devido à compressão da musculatura lateral. Então, use, essa posição, cuidadosamente. O trabalho de extensão será melhor com os pés ligeiramente mais afastados do que a largura dos ombros e potencialmente com alguma rotação externa. A amplitude total de movimento normalmente será além do neutro, mas somente cerca de 10-20°.



3. Acetábulo antevertido, colo femoral mais espesso ou acetábulo mais profundo

Ainda conseguem uma boa flexão, mas não tanto quanto os 2 casos anteriores. A extensão está mantida na maior parte. Como mencionado acima, o colo espesso/acetábulo profundo reduz o tamanho do cone do movimento. O centro relativo do cone ainda é o mesmo. 

Estas pessoas irão ter dificuldades com a mobilidade, mas acham mais fácil agachar do que o trabalho de extensão. Provavelmente irão apresentar arredondamento da pelve/lombar ou dor anterior no quadril com a rotina de agachamentos, o que significa que deveriam ser sensatos em limitar a amplitude de movimento através dos movimentos de flexão para apenas 90°, independente da posição dos pés. Para estes, agachamentos com a caixa (N.T: Box squats em inglês. Imagem abaixo.) seria uma ótima opção para usar na maior parte do volume de treinamento, com os agachamentos profundos reservados somente para aqueles que necessitam alcançar uma profundidade para as competições de powerlifting na fase de preparação para a competição.

Quanto ao trabalho de extensão não deve haver problema para a maior parte das atividades que requeiram flexão do quadril até 90° na configuração inicial. Isso incluiria levantamentos terra convencionais com a barra saindo do solo, seria melhor variar o posicionamento dos pés, entre o posicionamento convencional e a base mais larga, ou posicionamento "sumô", durante esses movimentos. Para a maior parte dos indivíduos, puxar de cima do rack ou blocos não seria necessário se conseguirem manter uma posição neutra da lombar na parte de baixo do movimento tirando a barra do solo. Caso não consigam, seria melhor usar o rack ou blocos. 

Adicionalmente, a amplitude terminal de movimentos de extensão, como extensões de quadril com barra na base supinada (N.T: O que os americanos chamam de hip thrust) será difícil. Não conseguirão passar dos 90°, independente da carga usada (N.T: Da amplitude total do exercício, já que ele inicia com 90° de flexão do quadril e vai até o que é considerado quadril neutro, em 0°. A posição inicial é mostrada na imagem abaixo).



4. Acetábulo retrovertido, posicionamento lateral, colo femoral fino & acetábulo raso

Flexão é problemática e limitada. A maior parte do movimento (N.T: De agachamento) irá parar em cerca de aproximadamente 90°, mas pode ser ligeiramente mais profundo com mais abdução. Bases mais largas funcionam melhor com este tipo de quadril quando envolve a flexão, mas ainda existe algum risco de impacto ou flexão lombar se descer muito profundo. A extensão é normalmente excelente com a amplitude frequentemente sendo além do neutro (N.T: Isso pode ser visto no exercício abaixo, o hip thrust, mencionado no tópico anterior).

Em virtude da flexão limitada e posicionamento lateral do acetábulo, as bases deveriam ser mais largas do que na largura dos ombros, mas a flexão ainda assim não deveria ser além de 90° para a maior parte dos indivíduos. Da mesma forma esses indivíduos seriam sensatos se limitassem o requerimento de flexão para seus movimentos. A profundidade do agachamento seria limitada no ponto onde ocorre a flexão lombar e onde não ocorre flexão adicional do quadril. Agachamentos usando uma caixa ou pinos de segurança do rack (N.T: O que os americanos chamam de "pin squat". Imagem abaixo) seriam boas opções. 

Para movimentos de extensão, a flexão do quadril na posição inicial não deve ser menor do que 90°. Isso significa que puxar uma barra do solo (N.T: Como no levantamento terra) em uma base convencional não irá funcionar. A maior parte dos movimentos em que se puxa a barra a partir do solo irá requerer uma base do tipo sumô, se conseguir. O lado bom é que a amplitude final dos movimentos de extensão do quadril será completamente realizada por estes indivíduos, frequentemente fazendo com que passem cerca de 10-20° além do neutro sem qualquer problema e nenhuma dor anterior no quadril. 



5. Acetábulo retrovertido, posicionamento inferior, colo femoral fino & acetábulo raso

A flexão é muito limitada. Estas pessoas têm sorte se conseguirem alcançar 90°, quer os pés estejam mais próximos ou afastados, pés estejam ou não em rotação externa. Podem fazer todo o trabalho de mobilidade do mundo que não conseguirão melhorar a profundidade do agachamento. O melhor seria trabalhar a prevenção da inclinação pélvica anterior e a cadeia posterior.

Assim como no caso do posicionamento lateral do acetábulo, as pessoas com retroversão e posicionamento inferior possuem excelente amplitude na extensão e estes últimos a possuem em maior grau. A limitação de flexão está presente e provavelmente em maior grau do que aqueles com posicionamento lateral, então fazer exercícios de extensão do quadril com posicionamento inicial de 90° de flexão sem apresentar flexão da lombar será quase impossível. Puxar a barra sobre blocos ou do rack é absolutamente necessário (N.T: Ao invés de começar o exercício puxando a barra do solo. Mostrado na imagem abaixo), mas esses indivíduos apresentam uma extensão final sólida. A extensão do quadril em base supinada (N.T: Hip thrust) é uma boa opção.



6. Acetábulo retrovertido, colo femoral espesso & acetábulo profundo

Estas pessoas são a síntese do diagrama do cone mostrado anteriormente. Sua amplitude do movimento geral é muito restrita, mas como já foi discutido nesta série, eles são bons para atacar, não para agachar. Nunca precisarão se preocupar com dor no quadril enquanto caminham e podem carregar peso como ninguém.

Normalmente conseguem chegar em 90° de flexão, independente de quão ampla é a abdução do quadril e sua extensão provavelmente vai até o neutro. Novamente, onde há limitação existe uma oportunidade. Enquanto grandes amplitudes podem estar fora de questão, eles podem carregar peso como ninguém. Estas pessoas podem se sobressair no treino unilateral de membros inferiores, avanços (N.T: Lunges em inglês, termo também usado no Brasil) e qualquer coisa que envolva o movimento a partir do neutro até 90° de flexão do quadril.

O lado negativo dessa configuração do quadril é que quando o movimento é forçado além da amplitude disponível, a coluna lombar inevitavelmente irá assumir. Estas são pessoas que tem uma enorme flexão lombar.


Com qualquer alinhamento do quadril ainda existe um considerável trabalho que pode ser realizado usando avanços, treino unilateral de membros inferiores, padrões de dobradiça do quadril (N.T: Ou padrão de flexão, como levantamentos terra) e agachamentos. contanto que as limitações sejam consideradas. Em muitos casos, a dica mais segura que pode ser observada é se a coluna lombar flexiona durante movimentos que envolvem a flexão do quadril. Então procurar encontrar a largura da abertura dos pés e o ângulo de rotação externa que permite a maior liberdade de movimentos em uma posição flexionada, sem dor no quadril ou arredondamento da coluna lombar. 

O trabalho baseado na extensão apresenta muito pouco risco, independente do alinhamento do quadril, contanto que a posição flexionada não envolva usar a flexão lombar para alcançar a posição inicial. Se isso ocorre. limitar a profundidade da flexão para preservar os quadris e a coluna enquanto permite que o movimento ocorra a partir dos quadris. A extensão final será alcançada para a maioria das configurações do quadril com alguns sendo capazes de ultrapassar a posição neutra.

No final das contas, apenas lembre do simples conceito de que cada um é diferente. Não existe a posição ou postura ideal para todos, mas qualquer um pode fazer o exercício do qual gosta. Apenas alguns têm de ajustar o exercício de acordo com suas peculiaridades versus tentar forçar uma postura ou posição que não é possível. Melhoras na amplitude de movimento podem ser feitas em qualquer alinhamento, mas será limitada pela estrutura, o que significa: Não pare de se exercitar, mas use a razão.  



Link do artigo original: Beyond Butt Wink - Part 3

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