Por experiência própria acredito que nós simplesmente deixamos pra lá (por desconhecimento em relação ao que fazer, pelo menos no meu caso). O máximo que fazia em relação ao pescoço era alguma liberação miofascial antes da sessão de treinamento, utilizando bastões de liberação ou bolas de borracha.
Já tinha lido um ou outro artigo e visto alguns vídeos do autor deste artigo o Charlie Weingroff, ele recentemente tem adquirido reconhecimento e notoriedade nos EUA e tem se ouvido falar mais dele. Após uma conversa eletrônica com o Professor Thiago Passos (da Arte da Força) que é um profissional brasileiro que reside e atua em Nova Iorque e ministra vários cursos na área da preparação física no Brasil inteiro, resolvi prestar mais atenção no trabalho de Charlie e li vários artigos dele.
Charlie Weingroff é um preparador físico e fisioterapeuta de Nova Jérsei que tem anos de experiência na indústria chegando a trabalhar muitas temporadas no basquete profissional americano (NBA) e atualmente atua como fisioterapeuta e diretor de performance esportiva em uma unidade da marinha norteamericana.
O artigo que eu apresento hoje fala justamente sobre o posicionamento do pescoço. Tive alguma dificuldade em traduzir este (por isso o monte de figuras extras e notas de tradução), o processo de raciocínio e as muitas citações de outros profissionais me deram bastante trabalho para contextualizar de forma a ficar mais legível aos leitores.
Espero que gostem.
Abraço.
Packing in the Neck
- Charlie Weingroff -
Um dos melhores livros que já li!
Várias semanas atrás eu recebi não menos do que 4 ligações como resultado do seminário de Dan John (http://danjohn.net/) com a mesma linha de questionamento. O tópico foi o posicionamento do pescoço durante levantamentos que envolvem o padrão de flexão do quadril (N.T: Ou como eles chamam lá nos USA: Hip Hinge – dobradiça do quadril. Ver: Artigo Dobradiça do Quadril) como o levantamento terra e o Kettlebell Swing.
As questões foram suscitadas uma vez que os indivíduos que eu tenho treinado, tem visto uma abordagem completamente diferente em relação ao melhor posicionamento cervical durante estes exercícios. Eu ensino o que chamo de “pescoço encaixado” (N.T: o termo original é neck packed, se alguém tiver uma melhor tradução para o termo. Sinta-se a vontade para sugerir), que é uma forte retrusão com uma leve flexão da parte alta da cervical. Isto parece basicamente com você fazendo um pouco atraente pescoço duplo e sentindo muita pressão na coluna cervical.
(N.T: Na primeira imagem Charlie mostra uma protrusão do pescoço fazendo com que músculos fásicos como o esternocleidomastoideo tenham de agir como estabilizadores desistindo de sua função de mobilizadores. Na segunda imagem Charlie mostra o posicionamento do pescoço que ele prega neste artigo, fazendo com que os músculos tônicos profundos do pescoço desempenhem sua função de estabilizadores. Imagens retiradas de uma palestra dada por Charlie Weingroff para a equipe de Mike Boyle).
Na verdade Coach John ensina, como muitos outros treinadores de elite de Levantamento de Peso Olímpico, RKCs (N.T: Certificação de instrutores de kettlebell, conferida pela empresa do Russo Pavel Tsatsouline: Russian Kettlebell Challenge) fazem isso também, fazer uma protrusão do pescoço como se “estivesse olhando para o horizonte”. Eu revi seus vídeos de kettlebells e de levantamento de peso olímpico, e a mensagem é muito consistente, basicamente fazer o oposto do que estou sugerindo.
Agora, eu poderia mostrar um monte de figuras de caras de elite demonstrando ambas as técnicas/posições nestes levantamentos. Para cada um mostrando uma forma, haverá outra figura mostrando a outra. Ao invés de entrar nessa de “este cara” faz isso, então deve ser bom, gerando uma discussão sem fim, estou bastante confiante que posso explicar porque é válido manter o pescoço na posição “encaixada”.
O que eu luto contra é que quando esta informação é fornecida, não existe contraponto para posição de “olhar para o horizonte”. O que não posso aceitar é “Nós não vemos problema”. “Nós não vemos problema” está cada vez mais parecido com uma tradução para “Uau, você está totalmente certo, mas eu não quero mudar o que estou fazendo”.
Vou tentar dizer a vocês porque meu caminho é bom com resultados empíricos e uma leve pitada de ciência.
Normalmente a réplica é apenas resultados empíricos. Eu gostaria de ouvir porque estou errado ou porque o que estou dizendo não importa.
Eu, Thomas Phillips que é um Instrutor Sênior RKC e o fisioterapeuta Steve Pucciarelli temos trabalhado nesta técnica do pescoço por no mínimo 1 ano, e de fato não é apenas uma questão de segurança. É uma questão de segurança e de performance. Estabilização da coluna como eu descreverei de algumas maneiras abaixo, não só permite um apoio confortável para o core, mas por sua vez permite mais mobilidade do quadril o que por sua vez proporciona uma livre expressão de uma extensão poderosa do quadril. Nunca é coincidência que as posições de integridade são também as mesmas posições que formam um “monstro”. Eu creio que Thomas tem expressado estes mesmos pensamentos ao pessoal do RKC por algum tempo.
Algumas coisas a considerar (de uma postagem no fórum do StrengthCoach.com)
1. O pescoço precisa demonstrar sempre amplitude de movimento fisiológica: flexão, extensão, rotação, flexão lateral. Mas quando consideramos uma flexão do quadril agressiva como o Swing ou o levantamento terra, existe uma coluna “longa”.
Ouvimos todo o tempo: “Coluna alta” como uma dica para firmar o core. Quando consideramos a coluna como uma entidade, uma cadeia de elos com regiões que são mais fáceis de mover do que outras, devemos considerar que o que quer que aconteça em uma destas áreas será compensado, ou uma posição similar será encontrada em outro lugar. Basicamente o que estou dizendo é: o que quer que aconteça no pescoço acontecerá na coluna lombar.
E se você viu alguém fazendo o Swing ou o Levantamento Terra com uma hiperlordose, você provavelmente foi corrigi-lo. E o que parece como posição neutra ou natural para a maioria das pessoas é hiperlordose. Quase todos nós temos algum nível de inclinação anterior na pelve e na coluna cervical. Esta inclinação anterior cria aproximação entre as estruturas ósseas, e esta aproximação óssea diz ao cérebro:
– Ei, estamos bem aqui. Temos estabilidade dos ossos que estão pertinho uns dos outros. Não precisamos da ajuda do core interior. Manda os caras descansarem.
Pense nas curvas naturais da coluna. Elas são da maneira que são para resistir à compressão e acomodar as forças de cisalhamento. A coluna é como um pula-pula, então quando as forças vem em sentido ascendente (da direção do solo para cima), existe uma atenuação das forças fornecida pela mola (coluna).
Se você aumentar a curva no pescoço com uma extensão, a compensação natural é:
1) Manter a mola anti-compressão e
2) Aumentar as curvaturas na coluna lombar e torácica para equilibrar a mudança de peso.
Então se você olhar para o horizonte, estará DESestabilizando o pescoço, e isso irá respingar na coluna lombar. Visualmente pode não parecer uma correção necessária, mas isto fará com que o corpo adote uma estratégia de estabilização de alto limiar.
2. Este segundo ponto, é uma abordagem mais leiga.
Tente este pequeno experimento: Mantenha a postura ereta com uma “coluna alta” e o pescoço duro (firme) e levemente dobrado. Faça isto contra a parede e tente mexer a cabeça o mais alto que puder. Você estará com o pescoço posicionado da maneira que eu quero. A propósito, se tentar alongar o flexor do quadril na base ½ ajoelhada com este posicionamento do pescoço, você será mais um crente deste conceito.
Agora, “firme a parede abdominal” como achar melhor (N.T: No texto Charlie diz: “Brace your lumbar spine”. A tradução literal seria “Suporte sua coluna lombar”. Brace seria em termos simples, uma técnica usada para ativar, contrair, firmar a parede abdominal sem encolher a barriga. Formando um suporte para a coluna lombar). Agora peça a alguém para empurrá-lo enquanto tenta se sustentar. Você se sentirá forte e rígido.
Agora deixe seu pescoço relaxado. Firme novamente, mas deixe o pescoço relaxado e deixe-o levemente em extensão. Peça ao seu parceiro para empurrá-lo novamente com a mesma força exercida anteriormente. Peça para que ele dê um terceiro empurrão, com o seu pescoço posicionado no mesmo ângulo que estaria se você estivesse “olhando para o horizonte”. Você não vai sentir o empurrão tão bem quanto sentiu quando o pescoço estava firme.
Então se você é mais fraco com o pescoço em extensão quando está de pé, porque eu iria querer que ele estivesse assim na posição de gorila (N.T: Acho que aqui Charlie faz uma referência a postura do swing ou do levantamento terra que assumimos em determinado momento destes levantamentos.) ou no buraco do encaixe do quadril quando você necessita de mais integridade e estabilidade?
Mahler está com sua cabeça baixa. Isto na realidade, é apenas neutro.
(N.T: Mike Mahler é um cara que fez dos Kettlebells seu prato principal, vamos dizer assim, dentro da preparação física. É conhecido nos Estados Unidos por ser um "Kettlebell Guy")
3. Permitir que o pescoço saia de uma posição centrada em um esforço de estabilização dinâmica, inibe os flexores profundos do pescoço. O esternocleidomastoideo e os escalenos deveriam ser estabilizadores secundários já que o seu papel e desenvolvimento genético não é sustentar o pescoço e sim, ao invés disso, permitir rotações ou movimentos rápidos quando necessário para detectar e evitar perigo.
Esternocleidomastoideo
Inibir os flexores profundos do pescoço é um ENORME erro já que então o core reflexo: diafragma, multífidos, transverso abdominal, assoalho pélvico serão inibidos também. Isso é completamente baseado em evidências.
(N.T: Core reflexo é o conjunto de músculos que tem o papel de estabilizadores e que agem muitas vezes como o próprio nome diz por reflexo, ou seja, independente de nossa vontade. Em um mecanismo de feed forward: antecipando movimentos que serão realizados e contraindo antes para estabilizá-los. Tenho visto alguns autores de artigos se referirem a este conjunto de músculos como: soft core ou inner core).
Inner Core (Core Interno)
A parte superior do Inner Core: O Diafragma e seu formato de paraquedas.
Isto não significa que estes músculos não “ligam”. Significa que estão inibidos e tem um padrão de ativação atrasado. Isto é o que Paul Hodges, Pavel Kolar, Michol Dalcourt, muitos outros e eu acho que Gray Cook e Kyle Kiesel diriam a mesma coisa também. Sem a sincronização dos músculos tônicos estabilizadores primários o corpo entra em uma estratégia de “alto limiar” e forma um encerramento através de L5-S1. Isto é o que eu descrevi acima a partir de ponto de vista diferente.
(N.T: Uma estratégia de alto limiar é um termo usado pelo fisioterapeuta, que é parte da equipe do FMS, Kyle Kiesel para descrever uma ativação muscular disfuncional. Vamos às palavras do próprio Kyle:
“A resposta do SNC ao aumentar a ativação dos músculos do Outer Core na presença de dor é conhecido como Estratégia de Alto Limiar. A ativação aumentada da musculatura do Outer Core é normal para o sistema administrar tarefas com altas sobrecargas de peso, mas sua ativação em resposta a um episódio doloroso ou em virtude de um Inner Core disfuncional é uma estratégia de compensação”.
Outer Core ou Core Externo compreende os músculos: Eretores espinhais, Isquiotibiais, glúteos, grande dorsal, reto abdominal, oblíquo externo abdominal, tensor da fáscia lata/trato iliotibial, reto femoral).
Descentralização do pescoço também pode estimular instabilidade escapular. Com o pescoço mal estabilizado as vértebras da coluna torácica aproximam-se ligeiramente umas das outras em flexão, como resultado a escápula sobe bastante e o trapézio inferior é inibido. Sim, eu creio que tudo isso vem de deixar o pescoço deslizar para trás um pouquinho. Isso é importante.
Não ignore estes músculos. É aqui onde o paraquedas do diafragma começa.
4. Tente outro experimento. Trave o pescoço do jeito que eu quero que você faça. Faça algumas respirações profundas sem perder a posição do pescoço. Agora tente com o pescoço extendido. Penso que não existirão muitas pessoas que possam honestamente dizer que parece a mesma coisa.
A respiração será muito maior e menos tensionada com o pescoço encaixado.
Você pode tentar essa posição do pescoço: em flexões de braço, pranchas, chops/lifts, active straight leg raise. Você vai descobrir que uma técnica como o active straight leg raise (N.T: elevação ativa da perna. Um dos 7 testes do FMS) melhora muito, ou que a flexão de braços se torna muito mais difícil. Muitos dirão que esta posição do pescoço limita a produção de potência e eu concordo com isso... em princípio. Levará um tempo de prática para remodelar o plano motor em que está fundamentada a força e a velocidade. O que importa é que nosso pessoal em Nova Jérsei tem quebrado recordes pessoais no agachamento e no levantamento terra após meses de ensino desta técnica.
Se você pode respirar mais facilmente em meio a uma incrível expressão de força e estabilidade, existe uma armadura ao redor de uma fonte de potência que não está acessível sem o encaixe de pescoço. As razões mais biomecânicas e neuromusculares são as mesmas descritas acima.
5. Puxar o pescoço em retrusão (para trás) ou apertar os glúteos é uma retroversão pélvica (inclinação posterior da pelve), não uma inclinação pélvica no limite da amplitude de movimento. Não há uma reversão da curva da coluna. É na realidade trazer a pelve e o pescoço em uma posição neutra uma vez que eu penso que a maioria de nós, se não todos, estamos pendurados, isto é, nos sustentamos nos “padrões cruzados” em algum grau.
Por isso é que vez por outra temos aborrecimentos com o pescoço ou dores nas costas, até mesmo as pessoas mais bem condicionadas tem. Existe um nível bem baixo de aproximação óssea para sustentar nossas posturas.
(N.T: Creio que Charlie faz alusão ao que o Checo Dr. Vladimir Janda se referia como Síndrome Cruzada ou Síndrome de Padrões Cruzados. Referindo-se as tendências disfuncionais que se repetem em nós seres humanos. Mais detalhes sobre o trabalho do Dr. Janda em www.jandaapproach.com/)
Síndromes Cruzadas de Janda
Quando você reflete sobre firmar o pescoço ou os glúteos, isso remete aos protocolos de estabilização de Robin McKenzie (N.T: Fisioterapeuta neozelandês que desenvolveu práticas para tratamento e reabilitação de dores na lombar e cervical. Sua metodologia leva seu nome: Método McKenzie) travando a coluna torácica baixa e promovendo algum movimento na coluna torácica alta, abaixo da C4 (N.T: 4ª vértebra cervical). Isto é a teoria Articulação por Articulação em movimento. Esta integridade é adulterada com uma leve extensão.
6. Se você voltar a nossa pequena experiência do empurrão, você pode dizer que a razão pela qual você perde estabilidade é a perda de entrada de informação sensorial (input) do aparelho vestibular e da visão. Mas esta perda do reflexo vestíbulo-ocular pode ser restaurada com o movimento dos olhos.
(N.T: Extraído da Wikipédia: “O reflexo óculo-cefálico (RCO) é um movimento ocular de reflexo que estabiliza as imagens na retina durante o movimento da cabeça ao produzir um movimento ocular na direção oposta ao movimento da cabeça, desta maneira preservando a imagem no centro do campo visual. Por exemplo, quando a cabeça se move para a direita, os olhos se movem para a esquerda, e vice-versa”).
Ao invés do pescoço se mover em flexão e extensão, os olhos seguem a flexão do quadril. Estruturas orais e faciais são enormes geradores de força escondida. Os olhos seguem para baixo na parte descendente do agachamento ou do swing, então olham para cima na parte ascendente do movimento.
Novamente, é muito, muito difícil quebrar os padrões motores firmemente estabelecidos em exercícios como o Swing e Levantamentos de Peso Olímpico, mas o movimento dos olhos tem um enorme poder de fogo e está vinculado a tudo que tenho dito em relação à estabilidade da coluna.
Olá professor Lima!
ResponderExcluirParabéns pelo blog e por suas traduções que com certeza, ajudam muitos colegas que não tem acesso ás literaturas estrangeiras.
Pelo que compreendi da tradução do Weingroff, o posicionamento do pescoço é similar ao preconizado no Pilates. E sem dúvida, no Swing e LPOs, o movimento dos olhos faz a diferença, mas realmente temos de estimular essa posição nos alunos, pois o comum é notar o pescoço tensionado, ou olhar para direções distintas do movimento. Mas trabalhamos nas correções...
Sucesso!
Fabiano Piassarollo
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirValeu Fabiano, não sei qto ao pilates, mas no lpo e no swing geralmente isso não acontece, tanto q o Weingroff já mencionou q foi alvo de muitas críticas por parte do pessoal do lpo nos EUA.
ExcluirQto ao swing, há um tempo atrás o próprio Pavel recomendava manter o olhar sempre a frente, fazendo com o q a cervical estivesse constantemente em extensão. Hoje já não é mais assim, com certeza por influência do Charlie, já q o Pavel não é nada bobo e aceita de bom grado ideias q se somem as suas.
Obrigado pelas palavras velho.
excelente trabalho. estava procurando trabalhos do janda e sindromes cruzadas, e encontrei seu blog. acredito estar no caminho certo de estudos pra ser um bom profissional.
ResponderExcluiragora tenho mais um monte de coisa pra pesquisar...
Obrigado pelas traduções, ajudam muito.
Valeu Gean, embora este artigo professa uma coisa, mas como as ideias evoluem acredito que não é bem assim.
ExcluirDá uma lida nesse artigo no Blog da Fortius que contrapõe essa ideia: http://www.fortius.com.br/cabeca-para-cima/
Abraço