quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Força Horizontal

Artigo do Mike Boyle, figura bem conhecida aqui no Brasil, sempre gostei do que ele escreve pela sensatez e simplicidade, desta vez não é diferente.
Boa leitura. 



Por 36 anos esperei na estação de Trem, esperando que o Navio chegasse
Mike Boyle


Para mim a prática da preparação física sempre será a busca de uma vida pelo Santo Graal, o programa perfeito, o segredo. Tenho dito inúmeras vezes que o grande segredo pode ser o fato de que não exista segredo algum. 



Também sempre disse que tudo se resume a treinar duro, a tartaruga venceu a lebre, lenta e constantemente ela venceu a corrida.



No entanto, de vez em quando, como Indiana Jones, se encontra um mapa do tesouro e se move um passo em direção ao programa de treinamento ideal.

Este ano eu percebi que a razão pela qual meu navio nunca chegava era porque eu o esperava na estação de trem.

Embora nosso objetivo declarado seja melhorar a velocidade e potência eu continuo me convencendo que o segredo, o grande segredo será encontrado na sala de pesos (N.T: Prefiro a tradução mais literal do termo "weightroom" do que a tradicional tradução "sala de musculação").

Perdi a conta de quantos atletas desenvolvemos para serem mais fortes e mais potentes, mas marginalmente mais rápidos. Vimos aumentos no salto vertical de 30 cm em homens e mulheres, mas frequentemente poucos aumentos na velocidade em comparação.

Se você olhar nosso programa de treinamento e treinamento em geral, verá programas desenhados para melhorar o salto vertical, mas provavelmente não a velocidade horizontal. A realidade era que treinamos verticalmente de maneira consistente e ainda assim esperamos mudanças horizontais miraculosas.   

Na sala de pesos nós constantemente empurramos o solo na esperança de que de alguma forma possamos melhorar a propulsão. Veja os levantamentos de peso olímpico, agachamentos, levantamentos terra. A carga se desloca verticalmente, não horizontalmente.




Eu sei que já deveria saber disso mas, como qualquer outra pessoa, apenas aceitei a sabedoria convencional. No entanto, como Steven Levitt e Stephan Dubner disseram em "Pense como um Freak".


"...a sabedoria convencional frequentemente está errada. E um aceitação cega dela pode levar a resultados pouco consistentes, ineficientes ou até mesmo perigosos".



Infelizmente, penso que perdemos muito tempo. Sempre nos disseram que a chave para se tornar mais rápido era se tornar mais forte, no entanto, isso pode ser uma enorme simplificação.



Em manter a tradição da preparação física nós desenvolvemos um grande programa de força vertical, mas negligenciamos a componente horizontal.


O cara que realmente me fez pensar a respeito disso é um professor escolar de química que tem um segundo emprego como guru da velocidade. Se o treinamento pode ser visto como um quebra-cabeças, Tony Holler me deu a peça que eu precisava. Lembra quando subitamente todo quebra cabeça toma forma quando se encontra uma determinada peça?


O artigo de Tony "Record, Rank and Publish" me fez reexaminar o que temos feito por décadas. Seus pensamentos era simplisticamente brilhantes.


A fim de fazer com que os atletas fiquem mais rápidos, primeiro precisamos saber o quão rápidos eles são. Uma ideia muito simples. Como vamos fazer com que as pessoas fiquem mais rápidas se não sabemos o quão rápidos elas são?


Nos nossos programas testávamos, no máximo, uma ou duas vezes por ano. Isto era feito normalmente ao final do nosso programa de fora de temporada (N.T: "Off season" em inglês, o período em que os atletas não estão competindo e também não estão na pré-temporada, comum nos esportes de equipe americanos, inexistente no futebol brasileiro e incomum nos outros esportes de equipe, ao menos de meu conhecimento. Nesse período "fora de temporada" os atletas procuram centros de treinamento particulares, como o do Mike Boyle, para treinarem antes do início da pré-temporada em suas equipes). Baseado nos resultados, avaliávamos o sucesso (ou fracasso) de nosso programa.


Pense nisso dessa maneira. Mesmo que soubéssemos o quão rápido alguém é, mas "checássemos" somente duas vezes por ano, que chance realmente temos de adaptarmos nossos programas ou criarmos mudança?


Além disso através do ano inteiro temos variáveis como ganho de peso que tem o potencial de enlamear os dados. Tristemente, no entanto, nossos dados através das décadas foram muito consistentes. Os atletas ganhavam peso, ganhavam força muscular, aumentavam o salto vertical, mas frequentemente a velocidade melhorava pouco. 

Para eu me sentir melhor analisei todas vantagens, mas ignorei uma desvantagem óbvia. O único momento em que realmente levávamos a velocidade a série era na época do Combine (N.T: O Combine é o teste físico pelo qual passam os novatos que pleiteiam uma vaga nas equipes profissionais de futebol americano). A NFL (N.T: National Football League) colocou uma premiação para a velocidade e com os atletas que queriam jogar na liga nós aumentamos nosso volume e frequência de tiros de velocidade e marcávamos o tempo DUAS VEZES POR SEMANA




Com todos nossos outros atletas continuamos a seguir a mesma abordagem. Trabalhar forte na sala de pesos, fazer alguns tiros de velocidade a cada semana e, com esperança, a velocidade melhoraria.

Infelizmente, a verdade está no velho adágio de Peter Drucker:

 "O que é medido é gerenciado".

Nota do autor: Vamos fazer um aparte aqui. Para ser sincero eu tinha medo de treinar velocidade. Eu sempre vi o teste de velocidade como uma lesão em potencial, um acidente esperando para acontecer. Sempre tive medo do "e se" que vem com o 100% de esforço. Tony Holler me forçou a confrontar meu medo ao mostrar algumas estatísticas. Ele já testou centenas de atletas e muito poucos tiveram alguma lesão muscular. Através dos anos eu tenho feito o mesmo, mas os poucos que tiveram lesão muscular me deixaram com medo de testar com mais frequência. Minha filosofia de "não fazer mal" estava claramente tornando-se um empecilho para que eu melhorasse meus atletas. A parte idiota foi que eu testei vários "10 segundos" sem ter nenhuma lesão, mas as poucas lesões que tivemos foram nas 20 jardas (N.T: 18,2 m) e 40 jardas (N.T: 36,4 m) e foram o suficiente para me assustar, até mesmo o teste de 10 segundos. Não estou certo do porque não continuamos a testar os 10 segundos sem preocupações. Ao invés, eu me convenci de que estávamos fazendo treinos de velocidade ao menos 2x por semana, mesmo que não estivéssemos testando.

A realidade era diferente. Nós provavelmente estávamos fazendo muitos trabalhos de velocidade com 80 e 90% do esforço máximo, mas pouco a 100%; Nossos exercícios de velocidade (largadas, inclina-cai-corre, etc.) (N.T: Inclina-cai-corre, tradução livre do termo em inglês "lean-fall-run", abaixo um exemplo do exercício).



Em 2018 resolvemos seguir o conselho de Tony e começamos a medir o tempo dos tiros de 10 jardas (N.T: 9,14 m) e eventualmente de "10 voando" (N.T: Flying 10's em inglês. Ele arranca de uma distância de 20 jardas, 9 m, e começa a medir o tempo quando os atletas passam da marca das 10 jardas. Resumindo, eles correm 20 jardas, 18 m, mas medem o tempo das últimas 10 apenas, o vídeo abaixo mostra como funciona).


Os resultados e o engajamento dos atletas foram dramáticos, de repente todo mundo estava preocupado com velocidade. A medida que começamos a medir, o engajamento dos atletas estava de uma maneira que nunca vimos antes.  




A chave aqui é que Tony tinha um sistema (que modificamos para atender nossas necessidades). Fazemos 2 ou 3 tiros de 10 jardas, duas vezes por semana, não mais que isso. Sem competição entre os atletas também. A ideia de Tony é fazer com que o atleta compita contra si mesmo e remover o potencial de lesões que vem embutido em fazer os atletas competirem uns contra os outros. Novamente, simplesmente brilhante.

As ideias de Tony foram suportadas pelo notável pesquisador de velocidade J.B. Morin. Morin declarou:
"Tanto quanto possível, uma orientação efetiva da Força de Reação do Solo deveria ser feita na direção do movimento alvo. Todos exercícios (bounds, empurrar/puxar um trenó com pesos, salto horizontal) deveriam ser tão horizontais quanto possível".
(N.T: Um bound é um exercício de salto em que o indivíduo salta com 1 pé e aterrissa com o outro pé).

Morin continua ao declarar:

"Interessantemente, nenhum exercício dentro da preparação física é melhor do que correr à velocidade máxima para colocar os atletas neste contexto de alta força de reação do solo-tempo de contato [com o solo] baixo. Adicione a isso a característica potencialmente preventiva da exposição regular à velocidade máxima otimamente dosada. O trabalho de velocidade máxima é muito provavelmente um estímulo recomendável para essa capacidade mecânica específica."

A questão é que por anos temos perdido uma peça chave do quebra-cabeças. Como eu descrevi no título, temos esperamos por um navio na estação de trem. Se você quer que seus atletas tornem-se mais rápidos, você precisa que façam sprints. Se você quer mudanças horizontais, é melhor treinar horizontalmente. Como resultado do trabalho de Tony, eu comecei a me referir aos sprints como "o real treino baseado em velocidade".   

Nota do editor: O outro título para esse artigo poderia ser "Uma desculpa à Steve Bunker". Steve é um excelente membro de nossa equipe e vem recomendando o trabalho de Tony Holler e Chris Korfit há anos. Steve mediu o tempo dos atletas por anos nas nossas instalações em North Andover antes que eu comprasse a ideia.           

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