Artigo falando de um tema incrivelmente vasto, a Teoria dos Sistemas
Dinâmicos ou Teoria dos Sistemas Complexos.
Esse tema vem crescendo muito em popularidade nos últimos anos, sendo
discutido e adotado por muitos profissionais. Aos poucos irei introduzindo
tópicos relacionados neste espaço, buscando esclarecer muitos pontos da teoria
(das infindáveis e difíceis de entender teorias, melhor dizendo) e trazendo exemplos práticos sempre
que possível.
Boa leitura.
Aplicação da Teoria dos Sistemas Dinâmicos na Reabilitação
Domhnaill Fox
Nosso entendimento de maneira alguma é completo. Pode ser que nunca tenhamos uma compreensão completa da complexidade em jogo quando vemos atletas se moverem e desempenhar seu esporte.
Se reconhecemos isso, devemos respeitar a sabedoria inerente do corpo em resolver problemas e se adaptar à situações da maneira mais eficiente.
O papel do treinamento passa a ser o de fornecer problemas para que o corpo os resolva, caminhando na direção que desejamos que vá o desempenho: Mais rápido, mais alto, mais forte.
Essa é a premissa básica de como a teoria dos sistemas dinâmicos informa movimento e muitos profissionais que trabalham com desenvolvimento atlético começaram a abraçar esta abordagem no planejamento.
A reabilitação deveria seguir o mesmo caminho? Os dias da prescrição estrita da posição do pé, ângulo do joelho e de firmar o abdominal se foram?
Depende. Em certos casos, precisamos colocar carga em estruturas específicas: Tendão calcâneo, inserção do tendão do extensor comum dos dedos, etc.
(N.T: Trabalhar em cima do tendão do extensor comum dos dedos é comum em casos de epicondilite lateral, chamada popularmente de cotovelo de tenista, imagem abaixo).
Mas quando reabilitamos um atleta para ser robusto e resiliente no esporte, então provavelmente devemos voltar o olhar na direção da natureza complexa do esporte e nos preparar de acordo.
(N.T: O termo "robusto", dentro deste contexto, na maior parte das vezes quer dizer "adaptável". Indivíduo que se adapta às mais diversas situações).
Tornando a auto-organização simples
O que isto parece? Meu argumento provavelmente é
tendencioso, já que muitos de meus mentores são influenciados por Frans Bosch e
Kelvin Giles.
"Quebra-cabeças de movimento" é um termo
comum de se ouvir, vindo de pessoas que veem o treinamento ou a reabilitação
através das lentes da complexidade. Nós montamos um quebra-cabeças para
que os atletas resolvam, que seja relacionado com seu esporte e/ou problema do
qual estejam se recuperando.
O quebra-cabeças estabelece restrições para o
movimento e o atleta o resolve de uma maneira única (N.T: Da sua maneira). Não existem instruções reducionistas
específicas.
(N.T: Um exemplo prático de exercício que estabelece restrições está no vídeo abaixo. Para chegar até a parede, o indivíduo é obrigado a passar a perna esquerda por sobre a barreira, e para passar sobre a barreira, ele é obrigado a fazer um hip lock, mais sobre o hip lock na sequência do texto).
Se o profissional quer um resultado
diferente, ele precisa ajustar o quebra-cabeças (tarefa), as restrições ou o
ambiente para permitir que o resultado emerja organicamente.
Esse não é um conceito novo, mas
somente recentemente começou a ser adotado de modo mais amplo no mundo da
reabilitação. Os fundamentos dos conceitos e princípios são mais complexos do que
possamos entender, mas a aplicação é simples.
Buscamos formas do corpo se
auto-organizar em direção a certos “Atratores” (componentes estáveis e
econômicos do movimento). Estes atratores são, frequentemente, posições no
movimento que os especialistas considerariam as mais apropriadas/eficientes/efetivas
para completar a tarefa.
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N.T: O conceito de atrator é bem mais amplo e não caberia aqui por inteiro, alguns pontos no entanto:
- O nome "Atrator" vem de atração, atrair (Do Latim "attrahere", puxar para si, atrair, arrastar). Sempre que ele estiver presente, o sistema será atraído para ele.
- É "Estável", no sentido de resistir à perturbações.
- Por ser estável gera menor custo energético ao sistema.
- Dentro do conceito de que estamos tratando: Movimento. Parece que os atratores que serão listados abaixo são "entidades" biomecânicas. Aqueles que seguem a linha de pensamento do psicólogo norte-americano James J. Gibson, a "Abordagem Ecológica", não acreditam que assim seja.
- Existe um "estado atrator", esse é uma unidade comportamental e não uma sequência puramente mecânica de movimentos.
- Está ligado intimamente à percepção, o indivíduo percebe o que ocorre à sua volta e o comportamento atrator emerge espontaneamente, como resultado da percepção desse indivíduo daquilo que o cerca (pessoas, ambiente, etc.).
- Nem sempre é bom, se o estado atrator for bom, deve ser reforçado. Se for ruim, deve ser modificado (o que nem sempre é fácil, mudar um comportamento ruim).
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O conceito exige que essas posições
atratoras sejam estáveis e robustas sob altos níveis de stress e resistam às várias formas de perturbações.
Portanto, treinamos e estressamos os atratores em
diferentes tarefas, restrições e ambientes.
Em seus livros, Stregth Training and Coordination e Anatomy of Agility, Frans Bosch descreve uma lista de atratores relacionados à agilidade.
(N.T:
Coloquei os atratores com seu nome original, entre parênteses uma tradução
livre).
Hip lock (Quadril travado): Elevação da pelve da
perna de balanço durante a saída dos dedos do solo (N.T: Toe off em inglês) –
Uma força de fechamento do quadril.
(N.T: A imagem abaixo ilustra a elevação da pelve esquerda na fase de saída dos dedos do solo na corrida. Mais abaixo, um dos exercícios usados para treinar este atrator, uma variação do arranco usando uma anilha).
Swing leg retraction (Retração da perna de balanço): Extensão do quadril, joelho e tornozelo da perna de balanço antes do contato do
pé com o solo.
Foot plant from above (Colocação do pé plano no
solo): Combinação da colocação da planta do pé no solo com a subsequente força de
reação do solo.
(N.T: A imagem abaixo mostra a combinação dos 2 últimos atratores mostrados no texto, "Retração da perna de balanço" com a "Colocação da planta do pé no solo". Mais abaixo, um exercício usado para treinar esse atrator).
Positive
running position (Posição
de corrida positiva): Posição vertical, quadris para frente, joelhos o mais para frente possível.
(N.T: Na imagem abaixo, no momento da saída dos dedos do solo, foram traçadas 2 linhas amarelas ao longo das 2 pernas. Foi traçada uma linha azul a partir do ponto de intersecção das 2 linhas amarelas. Em velocistas menos aptos, esta linha azul estará apontando mais para baixo).
Keeping the head
still (Manter a cabeça parada): O mínimo possível de oscilação
vertical.
Extending trunk while rotating (Extensão do tronco enquanto faz a rotação): Fazer isso permite-se à pelve e as pernas manterem a posição de corrida positiva.
(N.T: Atrator fácil de visualizar em todos os arremessos).
(N.T: Todos estes atratores podem ser facilmente observados no vídeo abaixo, a partir dos 45 segundos).
Distributing pressure when decelerating (Distribuir pressão enquanto desacelera): Equilibrar a dissipação de forças através de múltiplas articulações simultaneamente – Tripla flexão.
(N.T: O vídeo abaixo mostra como os atratores são universais, ao mostrar o mesmo comportamento ocorrendo em diferentes esportes. Frans Bosch, fonte do vídeo, levanta a ideia de que exercícios gerais também são específicos, só que são específicos para muitas coisas).
Como isso se encaixa na minha
abordagem para reabilitação
Então, na prática, vamos olhar para o hip lock como um atrator para a corrida.
Assim como em qualquer outra habilidade ou técnica, é inútil esperar que uma
posição seja robusta sob stress se
ela não é estável sob circunstâncias normais.
Portanto, temos de seguir o processo passo a passo
no primeiro nível:
§ Aprenda a posição – Como produzi-la, como se parece, como se sente ao fazer.
§ A partir daí, consegue se mover livremente dentro e fora da posição?
§ Consegue fazer rapidamente?
§ Consegue sustentar sob resistência externa?
§ Consegue sustentar quando o equilíbrio é perturbado?
§ Consegue trocar rapidamente de um lado para o outro?
§ Consegue fazer enquanto alcança uma medicine ball acima da cabeça?
§ Consegue fazê-la enquanto se move para frente?
§ Consegue fazê-la enquanto roda a cabeça?
Então começamos a levar isso para o próximo nível:
§ Você vê a posição aparecendo na corrida?
§ Com a rotação da cabeça?
§ Enquanto carrega uma medicine ball?
§ Sobre terreno ondulado?
§ Sob fadiga?
§ Enquanto responde a um movimento do oponente?
Durante esse segundo nível, não existem dicas
explícitas do treinador a respeito da posição corporal. O objetivo ao projetar
um quebra-cabeças que envolva movimento é encontrar um desafio apropriado para o
atleta.
O desafio apropriado é aquele onde exista alguma
falha, mas não em demasia. Tenho ouvido sugestões que dizem que o desafio na
medida ideal em um quebra-cabeças do tipo que estamos tratando, é aquele onde o
indivíduo falha em cerca de 30% das vezes.
Baseado nisso, a progressão não será linear e achar
um ponto de partida pode ser difícil.
Aplicando a teoria na prática
Então como a aplicação prática de tudo isso parece
na reabilitação?
Digamos que tenhamos um corredor que tenha uma
passada muito longa, em que o pé aterrissa muito à frente (N.T: Descrição do que em inglês se chama “overstride”. Imagem abaixo) e acabou
desenvolvendo sobrecarga nos tendões distais dos isquiotibiais, como resultado
da combinação de questões biomecânicas com alguns erros no treinamento.
Nesse ponto é que as teorias apresentadas
anteriormente entram em cena. Deveríamos procurar construir força muscular e
estabilidade nos atratores da corrida positiva: Hip lock, co-contrações no tornozelo, joelho e quadril, ângulo
positivo da tíbia, etc.
Uma vez que tenhamos checado esses itens, podemos
construir quebra-cabeças de movimento a fim de obter melhores posturas de
corrida.
Mudar a tarefa, as restrições e o ambiente é
individual para cada pessoa. Não há um conjunto universal de parâmetros que
permitirá o surgimento do movimento aprimorado. Mas podemos ter um ponto de
partida com o qual nos sentimos confortáveis e, se observarmos cuidadosamente,
podemos ver para qual direção nossas alterações direcionam o movimento
emergente.
Aviso: Estes conceitos estão sendo aplicados aqui baseados no desenvolvimento atlético e nas teorias de coordenação. Não existem evidências científicas de nível 1 que sugerem o uso destes conceitos como intervenções. O artigo descreve minhas experiências e o que aprendi com a opinião de especialistas.
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Artigo original: Applying dynamic systems theory to rehabilitation
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