quinta-feira, 24 de maio de 2018

Além do Arredondamento da Lombar no Agachamento - Parte 1


Artigo que traça um panorama sobre questões anatômicas relacionadas ao quadril, especialmente em padrões que envolvem o agachamento. Esse já foi tema de postagens nesse espaço, bem como no Blog do Instituto Fortius.

Aos que quiserem conferir:

- Um artigo que está no Blog da Fortius chamado: Profundidade do Agachamento

- Uma versão em pdf de um artigo que se chama: Variações do Quadril e o Agachamento

- Um artigo publicado semanas atrás aqui no blog: Diferenças no Agachamento.

A diferença é que esta série vai um pouco além e acrescenta repercussões que envolvem a extensão do quadril. 




Além do Arredondamento da Lombar no Agachamento: Formato do Quadril, Lesões e Capacidade Individual - Parte 1

Dean Somerset



Alguns meses atrás, escrevi um artigo sobre o arredondamento da coluna lombar no agachamento (N.T: Artigo adaptado no Blog do Instituto Fortius: Profundidade do Agachamento) e de como isso não tinha nada a ver com os isquiotibiais.

O formato do quadril diz mais a respeito do arredondamento da lombar do que a tensão nos isquiotibiais.


Muito já foi dito em relação a como o formato dos ossos significa que se tem que agachar de maneira diferente. Um artigo no site PTDC fez um bom trabalho ao inferir, a partir das diferenças anatômicas, de que as posturas e distâncias dos membros deve ser diferente no agachamento (N.T: O artigo em questão foi adaptado nesse espaço: Diferenças no Agachamento). Mas além dessa inferência básica, não existem muitas informações sobre pesquisas neste tópico. Eu quero mudar isso. 

Esta série irá olhar as pesquisas essenciais que analisam: Tipo de articulações, alinhamento e padrões de desgaste, assim como amplitudes de movimento afetadas por diferentes alinhamentos, e ainda, mostrar como avaliar e determinar o direcionamento de treinamento que se deveria tomar de acordo com a anatomia de cada um.


Diferenças Anatômicas

Muitos programas de treinamento assumem que a estrutura e geometria do quadril são constantes, significando que todos têm a mesma estrutura óssea e alinhamento articular. Sabemos disso ao olhar para diferentes pessoas, talvez uma ginasta e um jogador de basquete, que sua anatomia é diferente. Assim, o jogador de basquete nunca vai se mover como a ginasta, não por culpa sua, mas porque foi construído de maneira diferente.
   
Shaquille O'Neal e Simone Biles

Zalawadia et al, 2010, mostraram que existe uma grande variação no ângulo de anteversão do colo femoral (se a cabeça do fêmur aponta mais para frente ou possivelmente para trás) quando a cabeça do fêmur se fixa no acetábulo, com a maioria variando entre 10-20 graus.

Essa intervalo (N.T: De 10-20º) representou cerca de 55% das pessoas testadas, mas isso significa que 45% das pessoas não estão nesse intervalo. 

(N.T: A torção femoral representa a rotação relativa entre a diáfise do fêmur, ou seja, o eixo longo do osso, e o colo femoral, visto de cima, como na figura abaixo. O grau de torção é chamado de anteversão. Vemos que quanto mais para trás está orientado o colo do fêmur maior é a chamada anteversão, do contrário, o posicionamento mais à frente é chamado de retroversão. Normalmente esse ângulo é de cerca de 15°, mas existe uma enorme variação populacional. Descrição e figura adaptados de Neumann, 2011). 


Higgins et. al, 2014, também mostraram que existe uma grande diferença nos ângulos de anteversão bilateral, no mesmo indivíduo, potencialmente dando alguma validade aos conceitos do PRI de que somos inerentemente assimétricos.
(N.T: PRI - Postural Restoration Institute. Conceito que sustenta o que diz no texto, de que somos inerentemente assimétricos e que deveríamos levar isso em consideração dentro do treinamento, existe assimetria na distribuição dos órgãos, um lobo pulmonar é maior do que o outro, o diafragma tem uma parte maior do que a outra, considerando seus lados direito e esquerdo, e assim por diante)

Frequência e magnitude de diferenças bilaterais intra-paciente para anteversão anatômica (lado direito menos o lado esquerdo), mostrando a simetria relativa.



























Em termos de ângulo acetabular, D'Lima et al. 2000, em um modelo de predição computadorizado para implantação de prótese viram que aqueles com uma maior anteversão acetabular (posicionamento anterior na pelve) tinham maior amplitude de movimento na flexão do quadril e menor extensão, o posicionamento lateral de 45-55° conferia a melhor mobilidade geral, um ângulo lateral de menos de 45° conferia maior amplitude na flexão e mais de 45° conferia menor capacidade de rotação.

(N.T: Os autores do artigo citado logo acima procuravam a melhor configuração, que conferia maior mobilidade e segurança, na implantação de próteses de quadril. Abaixo, uma figura retirada do artigo em questão, que ilustra o que quer dizer "posicionamento lateral". Este seria o que D'Lima et. al. 2010, chamaram de abdução acetabular. Na figura abaixo, quanto mais próximo do eixo representado por Z, mais próximo de 0°, do contrário, quanto mais próximo do eixo Y, mais próximo de 90°. Portanto, um posicionamento lateral, ou abdução acetabular de 45-55° foi o que no geral se mostrou o ideal no estudo de D'Lima et. al. 2010. Os mesmo ainda colocam que um ângulo de abdução de menos de 35° mostrou que existe uma margem pequena de configurações do quadril que favoreçam a mobilidade). 

Eles ainda demonstraram que se o colo femoral fosse mais grosso em 2 milímetros a amplitude de movimente era significativamente reduzida em todas direções, independente do posicionamento. 

(N.T: O ângulo de anteversão acetabular mede a extensão de quanto o acetábulo se projeta à frente no plano horizontal, ou seja, sob uma vista superior. Normalmente este ângulo é de cerca de 20° e consiste em uma linha de referência, a linha vermelha pontilhada na figura abaixo e a linha de referência entre as margens do acetábulo, a linha em negrito na figura. Um maior ângulo significa maior anteversão acetabular, menor contenção da cabeça do fêmur e, como veremos nesta série, uma maior facilidade no agachamento. Descrição e figura adaptados de Neumann, 2011)
Além do ângulo de anteversão acetabular a figura mostra o ângulo de torção femoral considerado normal, de 15° - visto anteriormente

Então sabemos que existe uma ampla diferença nas estruturas do quadril e como podemos potencialmente nos mover. Um dos conceitos comuns de se tentar criar movimento além da capacidade estrutural é o arredondamento lombar, que predisporia a coluna lombar a se mover mais do que o necessário durante um movimento de flexão profunda (N.T: No início do texto foi citado um artigo que fala em detalhes sobre o tema), outro é o impacto femoroacetabular. Onde a crista óssea do acetábulo pressiona contra o colo femoral e cria irritação e eventualmente leva a um crescimento ósseo anormal e dor no ponto onde existe compressão. Eu apostaria que o impacto femoroacetabular estava presente em casos de arredondamento da lombar no agachamento também.

Frank et al. 2015, mostraram que uma boa parcela da população possui impacto femoroacetabular assintomático em exames radiográficos, 37%  dos sujeitos escaneados tinham deformidades do tipo CAM (onde o colo femoral aumenta a espessura por causa da compressão) e este sub-grupo subiu para 54,8% em indivíduos atléticos e um  gritante percentual de 67% dos sujeitos tinha uma deformidade do tipo pincer (N.T: Pinçamento) (onde a crista acetabular desenvolve um calo ósseo), novamente, mais alto em atletas com 71% do sub-grupo.


Agora, se a anteversão acetabular (posicionamento mais anterior) mostrou maior amplitude de movimento da flexão, uma posição retrovertida diminuiria essa flexão e provavelmente aumentaria o risco de lesões por compressão que resultariam em Impacto Femoroacetabular (IFA). Fabricant et al. 2015, mostraram exatamente isso quando relacionaram acetábulos retrovertidos com diminuição de resultados clínicos em pacientes  com IFA. 

Ângulos do quadril não afetam apenas a amplitude de movimento. Grandes articulações normalmente têm um impacto direto nas articulações próximas, e a articulação sacroilíaca é a mais próxima do quadril. Morgan et al. 2013, mostraram que pacientes da sacroilíaca assintomáticos tinham algumas similaridades nos exames radiográficos. 33% tinham deformidades do tipo CAM, 47% tinham acetábulo profundo ou protrusões mediais na pelve. 


Para casos de impacto femoroacetabular, pode ser dito que o fator causador foi a punição da articulação ao fazê-la se mover em uma amplitude além da sua capacidade estrutural. Para os tecidos da articulação sacroilíaca, um fator contribuinte poderia ser similar, embora não o único causador de disfunção. Portanto, poderia ser dito que em algumas pessoas treinar em uma teórica amplitude "completa" de movimento poderia ser a pior coisa que se poderia fazer para a saúde da articulação. Em muitos casos, estas amplitudes serão ainda mais limitadas com o envelhecimento, devido à degeneração articular e a redução do espaço articular. Tentar forçar uma amplitude articular que não irá ocorrer naturalmente é uma receita para o desastre.   


Ter o objetivo de alcançar um agachamento perfeito é admirável, mas em muitos casos o pré-requisito é ter os pais apropriados antes de iniciar o programa de treinamento. O lado positivo é que o que parece ruim por um lado é bom por outro. Se alguém não possui a estrutura do quadril ideal para a flexão profunda, pode ser que seja ideal para a extensão. Se possui o acetábulo profundo, as chances são mínimas de desenvolver lesões por sobrecarga na estabilização (N.T: Pelo fato da articulação ser naturalmente estável devido à profundidade do encaixe fêmur-acetábulo), o que significa que atividades em que se carrega peso e exercícios com impacto (como correr) seriam bem toleradas. Um termo que ouvi há muito tempo como participante de um workshop foi: "Você está atacando ou de cócoras", fazendo referência à capacidade do pessoal militar de marchar longas distâncias com equipamento completo, armamentos e tomar de assalto uma fortificação. Foi brilhantemente simples.  


A receita para o agachamento profundo parece ser uma ligeira anteversão femoral (N.T: Provavelmente o ângulo considerado "normal", de 15°) combinada com uma anteversão acetabular, posicionamento lateral de menos de 45° (N.T: Lendo o artigo de D'Lima et. al. 2010, a impressão que se dá é de que quanto maior o ângulo, mais aberto, maior a amplitude de flexão do quadrile um colo femoral fino. 

Pessoas com essa configuração tem a capacidade de descer em um agachamento profundo sem qualquer problema, independentemente da força muscular, tensão ou restrições capsulares. Estes fatores ainda têm suas contribuições, mas analisando puramente a estrutura esse parece ser o melhor cenário.  


Então a questão óbvia seria como determinar sua própria estrutura do quadril e qual seria a amplitude de movimento ideal para diferentes atividades como flexão ou extensão. 

Isto será abordado na parte 2 desta série...






Referências:

Zalawadia, A., Ruparelia, S., Shah, S., Parekh, D., Patel, S., Rathod, S. P., Patel, S. V. Study of Femoral Neck Anteversion Of Adult Dry Femora In Gujarat Region.  NJIRM, 2010.

Higgins, S. W., Spratley, E. M., Boe, R. A., Hayes, C. W., Jiranek, W. A., Wayne, J. S. A novel approach for determining three-dimensional acetabular orientation: results from two hundred subjects. The Journal of bone and joint surgery American, 2014.

Kamath, M. Y., Coleman, N. W., Belkoff, S. M., Mears, S. C. Anatomical Variance in Acetabular Anteversion Does Not Predict Hip Fracture Patterns in The Elderly: A Retrospective Study in 135 Patients. Geriatr Orthop Surg Rehabil, 2011.

D'Lima, D. D., Urquhart, A. G., Buehler, K. O., Walker, R. H., Colwell, C. W. Jr. The effect of the orientation of the acetabular and femoral components on the range of motion of the hip at different head-neck ratios. J Bone Joint Surg Am, 2000.

Frank, J. M., Harris, J. D., Erickson, B.J., Slikker, W., Bush-Joseph, C. A., Salata, M. J., Nho, S. J. Prevalence of Femoroacetabular Impingement Imaging Findings in Asymptomatic Volunteers: A Systematic Review. Arthroscopy, 2015.

Fabricant, P. D., Fields, K. G., Taylor, S. A., Magennis, E., Bedi, A., Kelly, B. T. The effect of femoral and acetabular version on clinical outcomes after arthroscopic femoroacetabular impingement surgery. J Bone Joint Surg Am., 2015.

Morgan, P. M., Anderson, A.W., Swiontkowski, M. F. Symptomatic sacroiliac joint disease and radiographic evidence of femoroacetabular impingement. Hip Int., 2013.



Link do artigo original:

Nenhum comentário:

Postar um comentário