sábado, 11 de junho de 2022

Frans Bosch: Aprendizado Intrínseco e Entendendo Atratores – Parte 2

Essa é a continuação da adaptação de uma entrevista feita por Martin Bingisser do site HMMR Media com Frans Bosch, preparador físico holandês que tem trazido novas ideias nos últimos anos para o campo da preparação física.

A conversa gira em torno dos conceitos abordados por ele em seu último livro: Anatomy of Agility: movement analysis in sport.


Aos que não leram a parte 1: Frans Bosch: Agilidade, Percepção e Entendendo Erros – Parte 1.

 

Frans Bosch: Aprendizado Intrínseco e Entendendo Atratores – Parte 2

Martin Bingisser

 

Na primeira parte falamos sobre o papel da percepção na agilidade, como eliminar erros, desenvolver atletas independentes e quantificar progresso. A seguir continuaremos a conversa com alguns outros tópicos: Atratores de agilidade, conectar o treino ao contexto e como isso impacta outros conceitos gerais do treinamento. 


Entendendo atratores

Martin: Como você costuma dizer, os atratores transferem, flutuações não. Penso que muitos preparadores físicos podem concordar, mas têm problemas em ver como isso parece na prática, uma vez que não encontramos muito atratores profundos reais. Como você mencionou recentemente, a preparação física é muito influenciada por áreas que não tem um foco inerente no movimento: Fisiculturismo, powerlifting, etc. 

Também é fortemente influenciada pelo atletismo. Embora o movimento seja fundamental em suas diferentes modalidades, ele é realizado em um ambiente altamente controlado, com poucas flutuações. Você também vem do atletismo. Consegue enxergar as flutuações de modo diferente agora que trabalha com esportes com mais flutuações?

(N.T: Frans Bosch tem trabalhado com futebol e rúgbi).

Bosch: Se você tem os atratores no lugar, torna o corpo mais simples. Se não tem, os Graus de Liberdade estão abertos e o corpo se torna complicado.

N.T: Farei um aparte no artigo para desenvolver um pouco o que são Graus de Liberdade. Vem do inglês Degress of Freedom: São possibilidades de movimento (neste contexto, existem outros na física e na estatística). Trajetórias de movimento.

Esses graus de liberdade estão diretamente ligados a um grau de controle, que por si está ligado à capacidade de co-contração do indivíduo.

A co-contração fornece a base do controle dos graus de liberdade:

  • Problema dos graus de liberdade (problema de trajetória).
  • Como utilizar a melhor trajetória.
  • A trajetória será selecionada por co-contração.
  • A trajetória será estável.

Sendo uma trajetória estável, essa trajetória escolhida para a realização do movimento (e desenvolvida através do processo de aprendizagem) será o estado atrator.

Um exemplo mais fácil é o dos Graus de Liberdade elementares que aprendemos nas aulas de cinesiologia – dentro dos 3 planos de movimento clássicos da cinesiologia: Sagital – Frontal – Transverso.

Dentro dos 3 planos temos 6 graus de liberdade elementares (embora nos livros se considerem 3):

- Flexão/extensão.

- Adução/abdução.

- Rotação externa/interna.

PORÉM, nenhum movimento do mundo real ocorre nos graus de liberdade elementares. Controlar os graus de liberdade elementares não é suficiente para controlar os graus de liberdade do mundo real. Por isso não se usa dentro de treinamento que tem por base as teorias derivadas dos Sistemas Complexos a ideia de puxar, empurrar, dominante de quadril, de joelho, etc. Por esse último ser um tipo de trabalho que visa aos graus de liberdade elementares.

Então, simplificando um pouco:

⇒ Os Graus de liberdade (as diferentes trajetórias, possibilidades de movimento) são controlados pelos Atratores (estados estáveis).

⇒ Lembrando que o papel das Flutuações (que variam com o contexto) é gerar adaptação ao sistema de movimento.

Existe uma razão para tentar tornar o corpo simples O ambiente é muito caótico: Não se pode ter um corpo e um ambiente caóticos ao mesmo tempo.

Se eu quero tornar meus atratores mais profundos e sólidos, preciso fazer isso em um ambiente que é mais caótico. Se o ambiente não está desafiando a complexidade do corpo, irei adicionar uma boa quantidade de caos e ver se ele consegue controlar. De outra forma, o corpo nunca irá aprender a ser mais simples.

Temos esse problema no atletismo: Não temos um ambiente caótico o suficiente.

Então adicionamos coisas que fazem com que todo sistema e o contexto se tornem mais caóticos, então o corpo terá de se tornar mais simples.

Isso é algo que se nota imediatamente na comparação do atletismo com o rúgbi. Jogadores de rúgbi tendem a ter melhor rigidez de tornozelo. Por quê? Porque jogam em uma superfície mais irregular (N.T: Em comparação com o atletismo) e tem de fazer com que o corpo seja mais simples, isso nesse caso significa um tornozelo mais rígido que não irá colapsar.

(N.T: O colapsar se refere a fazer uma dorsiflexão de tornozelo o que, na visão exposta aqui, é muito ruim. Essa é uma visão diretamente oposta à da necessidade de mobilidade de tornozelo).

Se quisermos fazer a mesma coisa com atletas de pista, temos de coloca-los em ambientes que tenham um pouco mais de caos. Estou cada vez menos convicto que podemos tornar o corpo mais simples e com atratores mais profundos trabalhando em um ambiente simplista e monótono como o do atletismo. 

[N.T: Abaixo temos uma "landscape" de atratores e flutuações, mencionada no artigo anterior. Ela ilustra a fala de Bosch de aprofundar atratores, ou seja, tornar certos comportamentos desejados cada vez mais estáveis. A figura, maior, de cima mostra exatamente isso: Com o tempo os atratores vão se aprofundando.
A figura logo abaixo da maior é só um recorte que fiz, nomeando os poços de atrator (A) e o que é flutuação (F)].


Martin: Isso é exatamente o que vejo no arremesso de martelo (N.T: Martin Bingisser trabalha com essa modalidade). É um ambiente muito controlado em que raramente tentamos adicionar caos. Como resultado, os atratores não são muito profundos.

Bosch: O mesmo vale para o arremesso no beisebol. Se você não tornar o ambiente mais caótico, pode esquecer qualquer melhora uma vez que o corpo não estará interessado.


Martin: No capítulo 5 do livro você divide os atratores de agilidade em vários grupos:

  • Atratores de manutenção do comprimento muscular ótimo;
  • Atratores baseados em reflexos;
  • Atratores do tronco.

Como os profissionais podem determinar qual grupo é mais importante para seus atletas?

Bosch: Essa é uma divisão artificial em subcategorias. O corpo provavelmente não liga para isso. O principal é analisar quais são as principais deficiências, para isso é necessário voltar à capacidade de aprendizado intrínseco do esporte em questão.

Se você analisar o controle do tronco com boas co-contrações e o “Peito para fora na rotação” quando se joga tênis, verá que o próprio esporte já fornece isso, uma vez que quando se flexiona a coluna fica difícil atingir a bola.

(N.T: A tenista está com a coluna ereta, os quadris apontando para frente e o tronco rodado para direita a fim de atingir a bola, essa é a visualização do atrator chamado “Peito para fora na rotação” / “Chest out when you rotate” em inglês. O que Bosch quer dizer é que naturalmente tenistas exibem esse atrator, é intrínseco ao esporte. A expressão que ele usou, que alterei na adaptação, foi: O esporte lhe dá isso de graça).

No tênis não haverá grande dificuldade de trabalhar isso, ao contrário de outros esportes como o futebol. Nele encontraremos poucos jogadores com um controle perfeito do tronco. Normalmente os braços estão por toda parte e o esporte em si não ensina de forma intrínseca um bom controle do tronco.

Com jogadores de futebol eu trabalho mais o controle do tronco e da parte superior do corpo, porque muitas vezes o jogador corre em uma direção e chuta a gol em uma outra direção (e deve ser preciso para acertar o gol). Se ele tem um bom controle do tronco, então terá um bom controle da pelve e, portanto, precisão no chute (N.T: Em tese, ao meu ver). Então onde está a ênfase no treinamento dos atratores depende muito do esporte em si.

(N.T: Abaixo uma imagem que ilustra onde entra o atrator “Peito para fora na rotação” no futebol. O jogador que irá receber o passe está correndo para frente, então seus quadris apontam para frente, mas ele tem de olhar para trás para ter uma noção da velocidade e direção da bola e de como ela vem, rasteira, quicando, etc. A melhor maneira de fazer isso é rodando o tronco para fora – Peito para fora na rotação – enquanto os quadris continuam apontando para a frente, afinal ele está correndo. Sem isso, ele seria obrigado a se deslocar de lado, um padrão de movimento muito mais lento).


(N.T: O vídeo abaixo mostra alguns atratores, na Escala Intermuscular e Escala de Padrão Intencional de Movimento com a finalidade de demonstrar que atratores são universais, não dependem de uma modalidade esportiva).


Martin: Você também discute diferentes variáveis que usa para trabalhar as co-contrações. As variáveis chave são os 3 P:

  • Pressão de tempo;
  • Pré-tensionamento;
  • Perturbações.

A variável que será enfatizada no treinamento depende da necessidade. Um jogador de tênis pode necessitar um menor foco em Pré-tensionamento e mais em Perturbações para ajudar nas co-contrações. Você poderia dar um exemplo de uso de uma em detrimento de outra abordagem?

Bosch: Novamente, se o esporte em si tem bastante Pressão de tempo (N.T: Como o basquete), então se pode poupar tempo de treinamento treinando outra abordagem, como Perturbações. Mas se o esporte tem muita Perturbação por natureza (N.T: Como o surfe) e não muita Pressão de tempo, adicione Pressão de tempo no treinamento.  



Eu diria que a qualidade de aprendizado ao usar as 3 possibilidades depende de quanto já foi usada antes. Se o indivíduo usa muito pela natureza do esporte e do treinamento, então o benefício será menor do que quando representa um novo estímulo. De novo, é necessário equilibrar isso um pouco.

Se você observar o número de padrões de movimento existentes no tênis, obviamente são menores do que no futebol ou rúgbi. Então, se esse é o caso e já existe bastante Pressão de tempo nesse número limitado de padrões de movimento, talvez adicionando Perturbação a fim de fornecer um novo estímulo faça com que os atratores se tornem mais profundos. Essa seria minha abordagem em relação a essas coisas.

(N.T: A abordagem de Bosch vai na contramão do que vemos em muitos esportes, tomemos o surfe como exemplo. É comum os profissionais adicionarem muita Perturbação aos exercícios em terra, isso em um esporte onde esse elemento está naturalmente presente).



Trazendo o movimento de volta ao esporte

Martin: Ouvindo suas respostas percebo que é preciso observar o esporte, ver o que está faltando e colocar o foco nisso. Então, nesse aspecto, você se afasta do esporte. Em que ponto, se é que o faz, você vai ao encontro do esporte? Na pré-temporada da Seleção Galesa de Rúgbi, você tinha períodos tão curtos com seus atletas que muitas vezes apenas tentava isolar o que estava faltando no esporte. Se tivesse mais tempo, teria tentado juntar tudo?

Bosch: Penso que existe um grande ponto nisso. Na verdade foi o que fizemos na Seleção Japonesa de Rúgbi (N.T: Bosch colaborou na preparação física com o americano John Pryor).

➤ Primeiro tínhamos 7-8 minutos trabalhando nos atratores básicos: Hip lock ou algum outro.

(N.T: Simplificando muito, o Hip lock é uma co-contração ao redor do quadril da perna de apoio. A imagem ilustrativa abaixo é de um dos livros de Frans Bosch).


➤ Depois 7-8 minutos em que os aplicávamos (os atratores) em situações mais específicas do rúgbi e situações de habilidades fechadas (N.T: Closed skills): Como provocar o Hip lock na recepção do passe e recepção do passe em alta velocidade.

➤ Então 7-15 minutos de situações de jogo onde isso deveria ser aplicado.

Acho essa abordagem extremamente valiosa.

(N.T Abaixo a imagem mostra uma recepção de passe em alta velocidade. O Hip lock, uma co-contração ao redor do quadril da perna de apoio, embora na imagem o pé de apoio já tenha deixado o solo, é mais difícil de ver. O mais aparente para visualização é o, já mencionado, Peito para fora na rotação: Quadril aponta para frente enquanto o tronco roda).


O que se vê muito é que os profissionais não aderem à alta intensidade e pressão de tempo no exercício inicial, como o trabalho no atrator Hip lock que usei como exemplo. Quando você faz um exercício de troca de passes de forma lenta, onde se tem todo o tempo do mundo, imediatamente há um colapso no padrão de movimento.

(N.T: Aqui há um ponto importante sobre atratores em geral, mas em que usarei o Hip lock como exemplo. Um Hip lock, ou qualquer outro atrator, não é uma entidade biomecânica, uma postura, que pode ser reproduzida de qualquer forma para que se incorpore no que se quer melhorar.

É preciso que o contexto exija o surgimento do padrão, o Hip lock não irá se manifestar em um contexto de baixa intensidade. O corpo não irá produzir uma forte co-contração de todos os músculos ao redor do quadril da perna de apoio em uma caminhada ou trote. Ele irá sim fazê-lo em uma corrida em alta velocidade, como resposta às fortes forças externas a que está sendo submetido Essas forças externas precisam ser reproduzidas no treinamento).

Então permaneça dentro desses elementos e adicione mais estímulo a eles, estímulos reativos e de tomada de decisão. Então o sistema começa a entender se isso torna o corpo mais simples, deixando mais capacidade para a tomada de decisão. Ele pode escanear e perceber o ambiente, tomar decisões e entender o plano de jogo.


Martin: Leigh Egger (N.T: Fisioterapeuta do Feyenoord da Holanda) nos visitou ano passado e deixou várias ideias a respeito da implementação de algumas de suas ideias. Por exemplo, estávamos fazendo alguns exercícios na parede para a saída dos dedos no solo na corrida com meus atletas de rúgbi.

(N.T: Toe-off into the wall em inglês, uma das inúmeras variações pode ser vista no vídeo abaixo)

Ele recomendou combina-los com algumas variações de sprint imediatamente após cada série. Isso realmente ajudou o atleta a colocar aquele atrator trabalhado em um contexto do esporte. 

Bosch: O corpo tem uma boa capacidade de adquirir uma visão geral do movimento. Diga ao atleta para usar a sensação daquele exercício na parede com o aquabag e tentar colocar na aceleração. 

(N.T: O aquabag é um cilindro de plástico enchido com água que cria uma resistência variável, já que a água se move ao nos movimentarmos e pode ser visto na imagem abaixo. Frans Bosch emprega esse elemento em algumas variações de exercício onde, após diferentes movimentações, o indivíduo empurra o implemento contra a parede, mas não consegui achar nenhuma imagem ou vídeo mostrando).


Eles percebem alguma incompatibilidade? O corpo não consegue comparar certos ângulos, mas consegue perceber o movimento geral e isso é valioso para o aprendizado.

Martin: Mais uma razão pela qual os preparadores físicos têm de entrar no campo. Trabalhar em ambientes isolados irá provavelmente levar a resultados isolados e possibilitar menos transferência para o esporte.

Bosch: Em qualquer esporte que é complicado em termos de padrões motores, a qualidade do que o preparador físico faz depende do quanto ele sabe vincular o seu trabalho com o treino técnico.


Conceitos gerais de treinamento 

Martin: Devido à magnitude de forças impostas ao corpo durante tarefas de mudanças de direção, você vê um papel de maior destaque para o treinamento de força clássico no desenvolvimento da agilidade do que no de, digamos, velocistas?

Bosch: Na verdade não; Não vejo porque algum praticante de esporte que requer agilidade deva fazer mais treino de força convencional do que um velocista. Apenas vejo que a ênfase é um pouco diferente.

Para um jogador de futebol ou rúgbi, ou algum outro esporte em que se deve ser muito ágil no campo, o tronco está sob muito mais pressão, já que se trabalha em posições com uma rotação muito maior na comparação a um velocista. Isso é algo que não se obtém no treino de força clássico; é necessário algo que forneça forças de pico naqueles ângulos e rotações. 


Um velocista obviamente é mais dependente de uma “taxa de desenvolvimento de força” mais rápida na comparação com atletas de futebol ou rúgbi.

(N.T: "Taxa de desenvolvimento de força" é a quantidade de força que pode ser gerada em uma unidade de tempo).

Essa pode ser uma razão para que o velocista também tenha cuidado com o treino de força clássico, porque isso pode ter um efeito adverso na taxa de desenvolvimento de força em uma resistência externa relativamente baixa.

Por exemplo, o componente horizontal da força de reação do solo é pequeno e dificilmente há algo contra o que empurrar, uma vez que o solo está se movendo muito rápido sob os pés do indivíduo. Provavelmente existe um prejuízo em produzir esse componente (horizontal) em um tempo muito curto se o indivíduo estiver fazendo um treino de força pesado além da conta.

(N.T: Na imagem, do lendário velocista Carl Lewis, está uma representação das forças imprimidas por ele no solo em cores mais fortes e das forças de reação do solo em cores desvanecidas. Os componentes vertical e horizontal estão em cinza e a resultante em vermelho, já que o componente horizontal é menor, foi representado por uma seta mais curta.

Bosch expõe a preocupação de que se treinarmos com altas cargas externas, a capacidade de imprimir força ao solo em um curto espaço de tempo fique prejudicada. Ou seja, que se aumente o tempo de contato do velocista com o solo, tornando-o mais lento).

Eu não acho que você possa encontrar mais motivos para um ou outro fazer o treinamento de força clássico. Penso que depende muito mais do indivíduo.

 

Martin: Essa pode não ser uma pergunta muita justa, mas, hipoteticamente, se você tivesse de prescrever um treino de 15 minutos para atletas de várias modalidades diferentes, qual seria o conteúdo, baseado em sua extensa experiência e viagens pelo mundo?

Bosch: Essa é uma pergunta de m... mas quem sabe eu possa tirar algo de útil dela. Uma das coisas que declarei em meu livro é que a especificidade sensorial é provavelmente muito mais restritiva do que a motora.

Em nível de informação sensorial, especialmente do ambiente, existem barreiras mais altas entre os diferentes tipos de informação que se pode obter. Quanto maior a complexidade da informação sensorial requerida, maiores as barreiras. Portanto, é necessário ficar dentro de uma configuração específica.

Acho que o melhor exemplo é o beisebol:

Compare como um rebatedor e um arremessador devem treinar. A informação sensorial para o arremessador é bem simples: A luva do receptador é onde a bola precisa ir.


Não é um grande problema para o departamento sensorial e se pode variar muito mais no treinamento. Estranhamente, arremessadores não variam o suficiente.

Vejamos os rebatedores: A maior restrição são essas barreiras na informação sensorial, porque um arremesso de 136 km/h não prepara para um de 152 km/h, uma vez que é preciso ler uma informação sensorial diferente antes da bola ser lançada. Isso significa que no treinamento de rebatedores você não pode desviar muito do contexto sem arriscar perder a relevância.


O interessante é que arremessadores não colocam suficiente variação em seu treinamento e rebatedores variam muito. Atirar uma bola detrás de uma tela (N.T: De arame, o vídeo abaixo dá uma ideia do que é) é completamente irrelevante no treino de rebatedores.


Se voltarmos ao ciclo ação/percepção/percepção/ação veremos que a ação que é realizada dentro de uma gaiola de rebatida torna-se completamente irrelevante na comparação com o jogo.


Portanto, eu diria que a primeira coisa que analiso quando vejo um atleta treinando para qualquer esporte é: O quanto do que é realizado no treino faz com que se perca o contexto do esporte em questão.


Artigo original: Frans Bosch on intrinsic learning and understanding attractors 

sábado, 4 de junho de 2022

Frans Bosch: Agilidade, Percepção e Entendendo Erros – Parte 1

O artigo a seguir é uma adaptação de uma entrevista feita por Martin Bingisser do site HMMR Media com Frans Bosch, preparador físico holandês que tem trazido novas ideias nos últimos anos para o campo da preparação física, seja de atletas (sempre o foco principal quando se trata desse tipo de assunto) ou até para pessoas comuns (público com que eu pessoalmente trabalho).

Como já aconteceu antes na Educação Física, ele divide opiniões, com alguns trilhando o caminho que ele tem traçado, enquanto outros procuram ridicularizar suas ideias, alegando que os bons mesmo são os russos (americanos, chineses...). Polêmicas à parte, espero que a leitura seja proveitosa.

Por último, as notas e apartes explicativos no texto sacrificam a profundidade, que na verdade o assunto requer, em nome da clareza, portanto, elas contêm muito mais camadas a serem descobertas.

Boa leitura.



Frans Bosch: Agilidade, Percepção e Entendendo Erros – Parte 1

Martin Bingisser

 

Concordando ou não com seus métodos, poucos treinadores têm nos forçado a repensar como preparar atletas como Frans Bosch tem feito nos últimos 5 anos. A publicação de “Strength Training and Coordination: An Integrative Approach” iniciou um debate a respeito de como os conceitos do aprendizado motor podem ser trazidos para dentro da sala de treinamento com pesos.

Na próxima semana, será lançado seu livro mais recente: “Anatomy of Agility: Movement Analysis in Sport”. Ele aprofunda alguns tópicos do livro anterior, como: Restrições, auto-organização, autoestabilidade e atratores. Então, continua a definir atratores específicos para o treinamento de agilidade e como fazer a transição da teoria para a prática. 

(N.T: No momento da publicação dessa entrevista o livro ainda não tinha sido lançado, atualmente já está disponível, mas sem tradução em português, assim como os 2 livros anteriores do Frans Bosch).

Tive a chance de conversar com Bosch e levantar algumas questões a respeito do novo livro. O resultado é uma entrevista em 2 partes. Na parte 1 a seguir, analisamos o papel da percepção na agilidade, como eliminar erros, desenvolver atletas independentes e quantificar o progresso. Na parte 2, analisamos os atratores, como conectar o treinamento ao contexto e como isso impacta outros conceitos do treino em geral.


O papel da percepção na agilidade

Martin: Gostaria de iniciar analisando os aspectos sensoriais. Reação e antecipação são partes fundamentais da agilidade e você inclusive mencionou na introdução do livro que recebeu críticas por não analisar muito os aspectos sensoriais. Na sua opinião, qual o papel desses aspectos sensoriais? É algo que você apenas coloca junto a outros aspectos abordados no livro? Como eles todos se encaixam?

Bosch: A forma como a ciência tem visto isso está mudando e Rob Gray é um dos que tem se destacado (N.T: Rob Gray é um pesquisador que mantém um site sobre esses assuntos: Perception & Action. Recentemente lançou um livro chamado "How we Learn to Move", ainda sem tradução para o português)



Antes se pensava que a percepção levava à ação: Se percebia o que estava acontecendo antes de agir. O treinamento de agilidade reativa é baseado nisso.

Agora as pessoas entenderam que existe um sequência de ação para percepção também. Em outras palavras, suas ações geram percepção e se a ação é ruim você não irá perceber. Por exemplo, se você está parado, não irá gerar a mesma informação que obtém quando está se movendo. Se a sua postura corporal e tensão são tais que você não consegue executar uma solução de movimento, você não irá perceber aquela solução nunca mais.

Se você não consegue mudar o ângulo da corrida para passar em um espaço entre dois oponentes, você não irá mais perceber a abertura daquele espaço.

(N.T: O que Bosch quer dizer aqui é que existe uma relação com o tempo, a oportunidade de realizar uma ação tem uma duração de tempo muito curta, especialmente no esporte. Nas duas imagens abaixo, da mesma partida, a melhor opção seria o passe e não o chute a gol, em ambas a equipe não fez o gol e acabou empatando o jogo. Não houve a percepção da oportunidade de ação do passe, aquela oportunidade foi perdida, não foi percebida pelos jogadores envolvidos nos dois lances. Existe um nome em inglês para "oportunidade de ação": Affordance)

Percepção e ação não são isolados, de tal forma que um seja escravo do outro. Movimento não é escravo da percepção, tampouco a percepção é escrava do movimento. O quanto se consegue perceber depende do quão bem se movimenta. O ciclo percepção/ação na verdade é o ciclo percepção/ação/ação/percepção.


Se você analisar dessa forma, pode entender o valor de analisar a parte de movimento na agilidade (N.T: Querendo dizer que não é só o movimento, existe a parte da percepção, como se fossem duas metades de um todo). Se o indivíduo tem melhor técnica, provavelmente irá perceber e ver melhores opções.


Martin: Até mesmo coisas simples como manter a cabeça em uma posição vertical, um dos atratores que você discute no livro. Manter a estabilidade da cabeça terá um enorme impacto na percepção.

(N.T: Logo adiante, um aparte no texto original com uma explicação mais longa a respeito do que são atratores, esse que diz respeito à Estabilidade Vertical da Cabeça é chamado em inglês de “Keep the Head Still”, ilustrado na imagem abaixo retirada do livro do Frans Bosch).


Bosch: Se a cabeça sobe e desce a cada vez que se muda de posição, cerca de 120 milissegundos (ms) de informação é perdida. Também não haverá tensão corporal, não se consegue reagir de maneira apropriada.

Entendo as pessoas que enfatizam a parte reativa disso. Se você olhar para os esportes e o quanto desse treino reativo ocorre nas partidas e eventos no campo, irá ver que é sim uma boa parte do todo. Mas a parte movimento frequentemente é deixada de lado e o filtro para a percepção não é melhorado o suficiente. 

N.T: Um aparte no texto, ao invés de uma nota, para tentar definir melhor o que são atratores. A palavra vai aparecer mais algumas vezes nessa primeira parte e mais vezes ainda na segunda parte do artigo, mas nenhuma definição é encontrada.

Atrator vem de "Atração", é uma palavra com muitas ramificações e não será possível cobrir todas nesse aparte; Em resumo é ➜ Um comportamento estável.

O conceito de atrator tem relação com a percepção, note a palavra "comportamento" no parágrafo anterior, ele não é uma construção biomecânica, uma postura, embora muitas vezes pareça isso. Atratores otimizam a percepção e são expressos quando o contexto exigir.

Eles estão presentes em diversos níveis de análise, inclusive na de comportamento coletivo, como quando duas equipes se enfrentam, por exemplo, mas para simplificar fiquemos com a análise somente do corpo humano. 

Frans Bosch propôs 3 escalas de análise onde podemos encontrar (e deveríamos buscar) o estado atrator (ou seja, um estado estável).

Escala Intramuscular: Aqui o que interessa é o músculo e não o movimento. Se trata de compreender a real ação muscular e treinar o músculo de acordo.

  • Exemplo: Isquiotibial.

Bosch propõe que esse músculo por ser biarticular têm uma ação ideal isométrica e reativa, ou seja, o fascículo contrai isometricamente, em seu comprimento ótimo (isso é fundamental), a fim de gerar a máxima quantidade de força, enquanto que o tendão alonga e recua (essa é a parte reativa). Esse é o motivo de vermos o exercício Single Leg Roman Chair (Cadeira romana unilateral) ser realizado.

Faz-se uma contração isométrica com os isquiotibiais em seu comprimento ótimo de modo que ocorra a maior produção de força possível.   


Abaixo uma variação reativa (estímulo para o recuo elástico do tendão) do mesmo exercício.


Portanto, dar estímulos que reforcem o estado atrator dos músculos é a chave quando esse for o objetivo (o músculo e não o movimento).

Escala Intermuscular: Trata-se das cooperações entre músculos (definição extremamente simplificada), portanto, é inteiramente dependente do que foi feito anteriormente na escala de músculo. 

Existe uma transmissão de forças gerando cooperação através de co-contração quando a situação o exigir, ou seja, quando o momento pede que grupos de músculos contraiam juntos (co-contração) para lidar com altas forças externas. Portanto, no treino não basta imitar a postura de um atrator intermuscular, é preciso que o contexto exija que o atrator se manifeste. 

Nessa escala o que interessa é o movimento e não os músculos.

  • Exemplo: Hip lock.

É uma co-contração dos músculos do quadril no lado da perna de apoio, a fim de lidar com altas forças externas. Um exercício, que está se tornando famoso, que tenta reproduzir isso ao se treinar com pesos é o "Clean to box" (variação do encaixe da barra do levantamento de peso olímpico aterrissando em uma caixa).

Escala de Padrão Intencional de Movimento: Pode se dizer que é o conjunto dos elementos anteriores, formando um elemento bem mais complexo. Essa escala é mais fácil de exemplificar do que definir, exemplos de Padrões Intencionais são a aceleração, a velocidade absoluta, a mudança de direção horizontal (em baixa e alta velocidade). Essa escala é sempre o objetivo final da sessão de treinamento. 

  • Exemplo: Aceleração.

Os exercícios para esse padrão intencional envolvem acelerar a partir de diferentes posições, com ou sem implementos. Um dos mais conhecidos é o que eles chamam em inglês de "Lean, fall, start" ("Inclina, cai, larga" em uma tradução mais literal).


Essas escalas possuem uma hierarquia, portando devem ser treinadas de acordo:

Intramuscular ➞ Intermuscular  Padrão Intencional de Movimento

Para finalizar esse enorme aparte no texto. Como já foi escrito, um Padrão Intencional de Movimento (como a Aceleração) é sempre o objetivo da sessão de treino, mesmo que o indivíduo ainda não tenha chegado nessa fase do treinamento. 

Vejamos a seguir um esquema que peguei do meu amigo David Mascena, minha fonte de consulta para assuntos relacionados aos Sistemas Complexos.


Mesmo que o indivíduo que esteja treinando ainda não tenha chegado na fase de Padrão intencional, esse (relembrando) é sempre o objetivo final. Se estiver na Fase Intramuscular, irá treinar os elementos listados no esquema acima (existem outros, esse é só um exemplo), eles irão construir, ser os alicerces, da próxima fase: A Intermuscular. Essa fase, por sua vez, irá ser o pilar da construção da aceleração.

Então, independente da fase em que se esteja, se Aceleração é o objetivo final ela estará sempre sendo construída.

Martin: Como você diz, o livro enfoca mais o lado ação-percepção do ciclo. Você sente que esse aspecto ação-percepção é abordado adequadamente nos treinos de campo?

Bosch: Sim, mas um bom treinador precisa ter certeza de que a informação é ótima (N.T: Ótima no sentido de ideal) e rica na sessão de campo. Se o indivíduo joga sempre contra o mesmo oponente no treinamento, ele irá pegar dicas sobre aquele indivíduo em particular (N.T: Como um atacante de lado de campo que sempre treina contra o mesmo lateral). Mas quando se joga uma partida e aquele jogador contra o qual o indivíduo treinou está do seu lado e outro jogador o está marcando, ele não aprende as regras gerais da percepção.

É necessário fazer coisas como mudar constantemente as equipes, para que os jogadores adquiram as regras gerais da leitura da posição corporal de alguém. Isso pode ser feito nos jogos, mas precisa ser otimizado.

 

Martin: Tendemos a pensar apenas no aspecto visual do sistema sensorial, mas existem outras formas. Apenas conhecer o corpo e onde ele se encontra no espaço é um tópico complexo e temos que desenvolver isso também.

Bosch: O último capítulo do livro fala sobre o que é a capacidade intrínseca de aprendizagem de um esporte. Muitos esportes por si só, como o tênis e o basquete, ensinam a como se mover de forma apropriada. Mas existem outros que não ensinam muito isso ou até mesmo dão estímulos que fazem com que o indivíduo se mova cada vez pior.

Por exemplo, o futebol é o esporte de perder a bola. Controlar a bola é tão difícil que lidar com o corpo fica em segundo plano. O corpo não pode priorizar 2 coisas ao mesmo tempo.


Veja, nesses esportes que as habilidades de lidar com a bola são melhores do que as habilidades de lidar com o corpo, o esporte não está dando ao indivíduo um aprendizado intrínseco de graça, por assim dizer. 

Se você não aumentar o treinamento com padrões de agilidade, separados dos jogos, provavelmente nunca melhorará o movimento e o filtro para perceber em alto nível.

 

Martin: Você mencionou que no futebol existem muitos erros. Em uma recente entrevista fez uma declaração interessante: “Se alguém comete um erro, não corrija, torne-o pior”. Poderia explicar o que quis dizer com isso? Porque isso é contraintuitivo e muitos profissionais temem que essa abordagem cause mais mal do que bem.

Bosch: A principal característica de um erro é que ele é um padrão de movimento muito estável. A ideia de que algo é um erro porque é instável não é verdadeira. Erros podem ser extremamente estáveis e se você quiser corrigi-los, a estabilidade de um erro é a principal coisa em que deve focar.

A maneira usual de se trabalhar é:

Existe um erro, ensina-se uma alternativa ao indivíduo e espera-se que isso faça com que o erro desapareça.

O que não funciona muito bem. Existe uma regra muito simples: O velho padrão estável permanece.

O que se deve fazer é colocar o erro em um ambiente onde ele se desestabilize e entre em colapso, para que o corpo não confie mais no erro e procure por uma alternativa. Essa é uma abordagem muito importante para se livrar de erros.

 

Martin: Então ao invés de lentamente ir corrigindo o erro, a sua abordagem é quebra-lo e desestabiliza-lo para começar do zero, por assim dizer, e fazer com que o corpo reverta para outros atratores.  

Bosch: Sim. Os profissionais precisam entender que o grande problema é a estabilidade do erro. O corpo sempre tende a retornar ao velho padrão uma vez que sente que ele é estável, mesmo que não seja efetivo para aquela situação. É necessário se livrar do velho padrão se quiser encontrar outro que também seja estável e mais aplicável para aquela determinada situação.


Desenvolvendo atletas independentes

Martin: Eu tive a oportunidade de lhe ver trabalhando na pré-temporada da Seleção Galesa de Rúgbi na Suíça ano passado. O que achei interessante foi que você tinha uma ideia clara do que queria fazer, mas nenhum plano a respeito de séries e repetições e os atletas tinham muita participação ao falarem como a sessão estava indo. O feedback deles era fundamental. Isso pode ser muito difícil para profissionais com menos experiência. Alguma dica para essas pessoas?

Bosch: O aspecto principal ao se trabalhar com atletas é a individualidade. Cada um tem sua própria landscape onde se desenrola o movimento.

N.T: Vamos a mais um aparte necessário no texto original. Apesar de ter outros significados, a palavra "landscape" pode ser traduzida nesse contexto por “paisagem”, ela é uma representação gráfica do movimento. Vejamos uma representação em duas dimensões abaixo.

As depressões no terreno representam as regiões estáveis onde se localizam os comportamentos estáveis ⇨ Atratores.

Os pontos altos no terreno representam as regiões instáveis onde se localizam os comportamentos instáveis  Flutuações.

Flutuações: Flutuações variam de acordo com o contexto, com o que a situação exigir. Elas conferem adaptabilidade ao corpo às diferentes demandas a que é submetido. Não existem regras para se trabalhar as flutuações dentro do treinamento, ou seja, não existem exercícios específicos para elas  Flutuações são o elemento variável dentro do treino, são as inúmeras variações que o profissional pode empregar para se treinar os atratores, de certa forma é a variabilidade dentro do treinamento.

Os atratores são representados nas depressões (Chamadas Poço ou Bacia de Atrator) porque não podem mudar, são estáveis. As flutuações são representadas no alto porque são livres para mudar, são instáveis. Abaixo uma representação gráfica em 3D.


Existem hierarquias, conflitos, está tudo lá. Você tem de entender o atleta: Esse cara pode perder a tensão corporal muito rápido em situações difíceis ou esse cara pode ter um “Hip Lock” natural que pode resgatá-lo de certas situações. Se você tem isso (N.T: O entendimento de quem é o atleta), pode direcionar o trabalho para esse indivíduo.

(N.T: Hip Lock, sem uma boa tradução para o português, Trava do Quadril seria uma bem literal. É um dos atratores descritos por Frans Bosch e mencionado anteriormente no texto).

A segunda noção que se deve ter é que a principal informação processada pelo atleta não vem do profissional, mas dele mesmo. Se o profissional tentar substituir a informação que vem do atleta pela sua, esse processamento é prejudicado.

Quando se trabalha com um atleta por muito tempo, é sempre valioso passar por um processo de aprendizagem onde ele possa tomar decisões sozinho a respeito dessas coisas:

🔺 Ele precisa de uma barra mais leve ou mais pesada;

🔺 Isso não parece explosivo comparado com ações no campo;

🔺 E assim por diante...

Isso ocorreu na equipe nacional de rúgbi do País de Gales. Nós tínhamos várias barras para escolher e eles pegavam a que mais se adequava, não porque eram preguiçosos, mas porque tinham uma imagem clara a respeito do movimento. Rapidamente se tornaram cada vez melhores nisso.

 

Martin: Se pode ver isso em atletas como George North (N.T: Jogador de rúgbi galês). Ele trabalhou com você um bom tempo e era bastante independente. No Podcast da HMMR falamos recentemente com o preparador físico da equipe de basquete da Gonzaga University, Travis Knight. Ele esteve no seu curso e implementou alguns métodos seus. Um benefício que Travis vê nessa abordagem é que os atletas se apropriam mais do programa de treinamento e se tornam cada vez mais efetivos uma vez que acreditam nele. 

Bosch: Esse é um campo em que a Dra. Gabriele Wulf está entrando (N.T: Pesquisadora com um vasto trabalho com foco no aprendizado motor). Se os atletas escolhem os exercícios, obtêm melhores resultados do que quando o profissional escolhe para eles.


Quantificando o progresso

Martin: Uma crítica de sua abordagem na preparação física é que ao contrário do método clássico, não se consegue facilmente quantificar o progresso dos movimentos, como por exemplo em um agachamento com barra nas costas. Quais os métodos você usa para quantificar o progresso? Tem alguma dica para dar a respeito? 

Bosch: Essa é a parte complicada, especialmente no alto nível é mais difícil identificar a transferência (N.T: Do treinamento para o desempenho esportivo). Vá a um treinamento de primavera da Liga Profissional de Beisebol (N.T: MLB – Major League Baseball) e tente descobrir quais exercícios estão fazendo que os distingue de ligas inferiores. Não irá encontrar. É difícil analisar em um nível de elite.

Tínhamos uma máquina para os saltadores com vara na Holanda onde eles eram suspensos no ar por um contrapeso e podiam fazer todas as suas ações na vara.

Um amigo meu é um dos melhores técnicos de atletismo que conheço e me disse que isso é muito bom para o atleta que salta até 5,40 m. Por quê?


Porque até essa altura do sarrafo, como se aplica força é mais relevante. Então, uma vez que se atinge 5,70m o ritmo se torna mais importante e na máquina o ritmo é diferente. A vara flexiona, mas a máquina puxa o indivíduo para cima.

(N.T: Lembrando que no salto com vara masculino todos os primeiros colocados na última olímpiada saltavam bem mais do que isso e a imagem abaixo do Sueco Armand Duplantis mostra em quanto anda o recorde mundial. No feminino ainda é de Yelena Isinbayeva com 5,06m).

O que se vê, portanto, é que em um nível mais alto o que funciona para um nível inferior pode ter um efeito negativo, porque essas coisas são difíceis de quantificar. Frequentemente temos de reconhecer que a transferência do treino para o desempenho ocorre por pura sorte.

 

Martin: Então os profissionais apenas precisam experimentar e ver se tem sorte?

Bosch: E entender onde estão os pontos fracos do atleta. Entender onde ele escorrega para certos padrões que rapidamente perdem estabilidade. É um processo muito refinado e em um processo assim, algo mecânico e simples como séries e repetições não tem muita serventia.

 

Martin: Quanto você confia em olhar para o vídeo do jogo para analisar o movimento, versus o que você vê no treinamento?

Bosch: Comecei a trabalhar mais em analisar jogos e competições para ver quais são os padrões de movimento. O que se vê todo o tempo é que os atletas fazem a preparação física no campo e quando vão jogar as ações são completamente diferentes (N.T: Daquilo que fizeram no treino). É preciso entender o que ocorre no esporte e a partir disso talvez obter alguns pontos do que se pode trabalhar. Se esses pontos são atratores sólidos, irão emergir novamente no esporte.  

 

Confira a parte 2 do artigo: Aprendizado Intrínseco e Entendendo Atratores - Parte 2


Artigo original: Frans Bosch on agility, perception, and understanding errors