quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Ciência e Aplicação de Dicas Verbais - Parte 2

Finalizando o artigo iniciado na semana passada, neste com uma abordagem mais prática da utilização de instruções com um foco de atenção interno X instruções com um foco de atenção externo.

Aos que não leram a primeira parte: Ciência e Aplicação de Dicas Verbais - Parte 1.

Aos que desejam ler no original em inglês: The Science and Application of Coaching Cues.


Ciência e Aplicação de Dicas Verbais - Parte 2

Sam Leahey


Sumário
Como sabemos, instruções verbais efetivas são uma ferramenta crítica para maximizar a performance motora de nossos atletas. Enquanto que a maior parte deste artigo girou em torno de como comunicamos de maneira mais efetiva nossos protocolos de treinamento, outra apreciação diz respeito ao fator de impacto de efetivas instruções verbais durante testes e como isso pode alterar a confiança de nossos resultados em testes como salto vertical/horizontal, escore do FMS, etc. (N.T: Creio ser por isso que as instruções nos testes do FMS - Functional Movement Screen são padronizadas, a fim de diminuir a variabilidade das instruções, o que poderia afetar o resultado). Também é interessante notar que muitos livros digitais, programas, etc. que dão ao leitor protocolos de testes muito detalhados, esquemas de séries e repetições, e descrições de exercícios, ignoram inteiramente os efeitos de instruções verbais e do retorno de informação (N.T: feedback).

No final das contas, um foco interno pode restringir o programa motor do atleta, causando um tipo de controle consciente que resulta em um resultado de aprendizagem menos efetivo e eficiente, seja em um exercício, manobra de agilidade, habilidade esportiva, etc. Muito frequentemente, dicas verbais externas podem resultar em utilização de processos automáticos e demandas de atenção reduzida que promovem resultados de movimentos mais reflexivos e naturais, com uma performance geral superior. Porém, como já mencionado anteriormente, sinto que existe espaço para um pouco de instrução interna também. Como treinadores (N.T: nesse termo abarco todos profissionais que trabalham com movimento: treinadores esportivos, preparadores físicos, personal trainers, fisioterapeutas, professores escolares, e por aí vai.), precisamos estar conscientes das propriedades da informação que damos aos nossos atletas, porque isso afeta absolutamente seus movimentos, dependendo do que, como e quando dizemos.

Aplicações e Retratações
Então, sabendo de tudo isso ou não, todos nós em algum momento já nos utilizamos de instruções verbais internas e externas. Quantas vezes você já disse a algum atleta:  "firme os glúteos/abdominal", ou "ombros para baixo" e isso funcionou perfeitamente? Provavelmente um bom número de vezes. Não quer dizer que dicas verbais com foco interno sejam ruins ou erradas por si, apenas que temos um bom número de razões para acreditar que dicas verbais com foco externo são um pouco melhores, especialmente em termos de performance motora de longo prazo, que é essencialmente a maior parte do que tentamos alcançar com qualquer programa de treinamento que prescrevamos. Isto não significa que suas instruções precisam de uma inspeção completa e uma abordagem de "tudo ou nada" em direção a instruções externas. Apenas significa que na maioria dos casos deveríamos acabar com o atleta adotando um foco de atenção externo e uma perspectiva "baseada no efeito" ao invés de uma "baseada nos músculos" de seus próprios movimentos. Para alguns movimentos, se a intenção for puramente uma ativação neuromuscular, por qualquer razão instruções internas servem a este propósito. Portanto eu proponho o seguinte quando for ensinar uma nova tarefa motora para algum de nossos atletas (ver tabela abaixo). Obviamente, se o quadro de referência for o fisiculturismo, eu usaria muito mais dicas com foco interno, porque o objetivo seria uma atividade muscular mais localizada e muito menos relacionada com resultados de desempenho de movimentos em geral.


























Pontos Chave
- Esta matriz representa como eu vejo o processo de treinar atletas para desempenhar movimentos que nunca fizeram antes. Se são tarefas para as quais os atletas já possuem um programa motor, me inclino a usar dicas externas.
- Eu dividi e rotulei as categorias de forma a facilitar o entendimento de todos. Os termos usados não são absolutos, então podem ser adaptados para caber em qualquer sistema. Pegue a ciência apresentada neste artigo e você pode criar sua própria matriz de acordo com sua própria classificação de movimentos, desde que esta se prenda aos princípios.


Exemplos

Ponte:












Usando a matriz mostrada na tabela acima, quando ensino um atleta de qualquer nível a fazer a ponte, eu uso dicas de foco interno como as que seguem:
→ "aperte os glúteos para levantar os quadris".
→ "tente relaxar os isquiotibiais" (enquanto palpa os ísquios).
→ "imagine uma linha reta do joelho,  passando pelo quadril até o ombro".


Prancha:











Usando a matriz acima, quando ensino a prancha à meus atletas sempre inicio com foco externo, dizendo:
→ "imagine que está prestes a levar  um soco no estômago".
Se não vejo o tipo de ativação do core que desejo, eu palpo a região com as 2 mãos e digo:
→ "firme tudo isso" (interna).


Alongamento de Flexores de Quadril:



















Quando ensino qualquer tipo de alongamento para os flexores do quadril eu cutuco seus glúteos e digo:
→ "aperte os glúteos" (interna).


Mobilização da Coluna Torácica (em extensão):

























Para a maioria das mobilizações de extensão da coluna torácica, eu normalmente palpo na altura da 4ª vértebra (T4) e digo:
→ "dobre aqui, mas mantenha as costelas abaixadas"(interna).
Embora para algumas posições em base pronada (N.T: decúbito ventral), me certificando de que a extensão está vindo a partir dos segmentos corretos (N.T: movimento partindo da coluna torácica e não da coluna lombar), eu gosto da instrução:
→ "empurre-se para longe do solo"(externa).


Passada Cruzada (crossover step):

Usando a matriz, quando ensino a passada cruzada para algum atleta iniciante, eu progrido a partir de dicas com foco interno, como as que seguem:
→ "direcione seus joelhos de forma a cruzar o corpo".
→ "empurre forte contra o solo a perna que está embaixo".
Uma vez que ganhe proficiência na execução, o foco das dicas passa a ser externo:
→ "pense nisto como um salto em distância de lado".
→ "empurre o solo abaixo de você para longe" (para a perna que está embaixo).
→ "alcance a parede que está ao seu lado" (para a perna que está encima).
→ "permaneça baixo".

Use a matriz quando for ensinar exercícios básicos aos atletas, como: agachamento, levantamento terra, supino, saltos pliométricos, etc. Eu tento promover um foco de atenção externo o máximo possível ao ensinar estes movimentos, especialmente com atletas intermediários. Faço regressões para instruções internas as vezes. Também neste tipo de movimentos temos a oportunidade de nos referirmos aos implementos que estão sendo usados (barras, caixas, halteres, cones, bancos, etc.).


Agachamento:


























Para dicas externas:

→ "peito estufado antes da descida".
→ "espalhe o chão na descida"(N.T: a fim de gerar um torque de rotação externa, fazendo com que os quadris "abram" e aumentando a estabilidade no quadril).
→ "sente numa cadeira".
→ "explodindo no alto" (N.T: subindo rápido).
→ "travar" (N.T: no momento que fica em pé ao completar a subida).
→ "barra/anilhas chacoalhando" (N.T: enfatizando o travar, a super-rigidez na finalização do movimento).
→ "imagine que está sentando em cima de vidro"(quando agachar usando uma caixa) (N.T: enfatizando a não-descarga do peso corporal+barra sobre a caixa).
Se estiver usando algum tipo de "agachamento rápido" (N.T: speed squat no original em inglês), você pode marcar o tempo de execução com um cronômetro e ver quanto tempo leva para realizar o movimento na amplitude completa. Só esteja certo de que a mecânica corporal dos atletas é correta antes de usar esta dica.


Supino:





Dica com foco interno (regressão):
→ "Devo ser capaz de deslizar minha mão sob a sua coluna lombar durante a fase de retirada do peso do suporte" 

Para dicas externas:
→ "raspe a barra para fora do suporte".
→ "encare o teto, não a barra".
→ "dobre a barra ao meio durante a descida" (N.T: o mesmo conceito utilizado durante o agachamento, dessa vez a geração de torque é de rotação externa dos ombros, fazendo com que haja um aumento da estabilidade em toda região escapular).
→ "direcione para o solo" (N.T: a barra na descida).
→ "empurre-se contra o banco enquanto empurra a barra para cima".
→ "esmague a barra na subida" (N.T: enfatizando a pegada e gerando mais estabilidade através do princípio de irradiação, que vem do FNP - facilitação neuromuscular proprioceptiva).
→ "direcione a barra para cima ligeiramente sobre seus olhos".
→ "explodindo no alto" (N.T: subindo rápido).
→ "travar" (N.T: no momento que completa a subida da barra).
→ "barra/anilhas chacoalhando" (N.T: enfatizando o travar, a super-rigidez na finalização do movimento).
Se estiver usando algum tipo de "supino rápido" (N.T: speed bench no original em inglês), você pode marcar o tempo de execução com um cronômetro e ver quanto tempo leva para realizar o movimento na amplitude completa. Só esteja certo de que a mecânica corporal dos atletas é correta antes de usar esta dica.


Levantamento Terra:















Para dicas externas:
→ "empurre o chão"
→ "exploda para fora do solo" (N.T: na subida)
→ "explodindo no alto" (N.T: subindo rápido).
→ "travar" (N.T: no momento que completa o movimento).
Se estiver usando algum tipo de "levantamento terra rápido" (N.T: speed deadlift no original em inglês), você pode marcar o tempo de execução com um cronômetro e ver quanto tempo leva para realizar o movimento na amplitude completa. Só esteja certo de que a mecânica corporal dos atletas é correta antes de usar esta dica.


Jump/Hop:
(N.T: jump é o salto com duas pernas e hop com uma. Abaixo 2 vídeos, um mostrando uma variação de jump e outro uma variação de hop. Vídeos de Mike Boyle)


Para dicas externas:
→ "aterrisse macio".
→ "aterrisse rapidamente" ou "crave na aterrissagem" (N.T: aterrissar firme, mais ou menos como as aterrissagens dos atletas de ginástica olímpica, "cravadas").
→ "aterrisse macio e rápido".
→ "alcance o teto".
→ "alcance o mais alto que puder".
→ "tente pegar uma bola acima de sua cabeça".


Conclusão
Como treinadores, estamos constantemente questionando nossos métodos, constantemente buscando nos tornarmos melhores no que fazemos. Entenda que o foco de atenção, frequência e feedback são componentes chave das propriedades de informação que compõe as instruções/dicas verbais. O segredo é ser criativo, ainda que sempre se respeitando os princípios do aprendizado motor. O elo entre o que é lido nos artigos e o que é colocado na prática diária é você – o treinador. Como comunica suas intenções e como os atletas percebem isso determina o que acaba acontecendo no treino. As opções são infindáveis e espero que este artigo ajude a torná-lo melhor naquilo que faz.


Referências Bibliográficas

Al-Abood, SA, Bennett, SJ,Hernandez, FM, Ashford, D, and Davids, K. Effects of verbal instructions and image size on visual search strategies in basketball free throw shooting. J Sports Sci 20: 271–278, 2002.

Landers,M,Wulf, G,Wallman, H, and Guadagnoli, M. An external focus of attention attenuates balance impairment in patients with Parkinson’s disease who have a fall history. Physiotherapy 91: 152–158, 2005.

Marchant, DC, Greig, M, and Scott, C. Attentional focusing instructions influence force production and muscular activity during isokinetic elbow flexions. J Strength Cond Res 23: 2358–2366, 2009.

Porter, JM, Nolan, RP, Ostrowski, EJ, and Wulf, G. Directing attention externally enhances agility performance: A qualitative and quantitative analysis of the efficacy of using verbal instructions to focus attention. Front Psycol 1: 216, 2010.

Porter, JM, and Anton, PM. Directing attention externally improves continuous visuomotor skill performance in older adults who have undergone cancer chemotherapy. J Am Geriatr Soc 59: 369–370, 2011.

Wu WF, Porter JM, Brown LE. Effect of Attentional Focus Strategies on Peak Force and Performance in the Standing Long Jump. J Strength Cond Res. 2011 Nov 11.

Wulf, G. Attentional focus effects in balance acrobats. Res Q Exerc Sport 79: 319–325, 2008.

Wulf, G, Lauterbach, B, and Toole, T. Learning advantages of an external focus of attention in golf. Res Q Exerc Sport 70: 120–126, 1999.

Wulf, G, Weigelt, M, Poulter, D, and McNevin, N. Attentional focus on suprapostural tasks affects balance learning. Q J Exp Psycol (Colchester) 56A: 1191–1211, 2003.

Wulf, G. Attention and Motor Skill Learning. Champaign, IL: Human Kinetics, 2007.

Wulf, G, and Su, J. An external focus of attention enhances golf shot accuracy in beginners and experts. Res Q Exerc Sport 78: 384–389, 2007.

Wulf, G., McConnel, N., Gärtner, M., and Schwarz, A. (2002). Enhancing the learning of sport skills through external-focus feedback. J. Mot. Behav. 34, 171–182.

Wulf G, Chiviacowsky S, Schiller E, Avila LT. Frequent external-focus feedback enhances motor learning. Front Psychol. 2010;1:190. 2010 Nov 11.

Zachry, T, Wulf, G, Mercer, J, and Bezodis, N. Increased movement accuracy and reduced EMG activity as the result of adopting an external focus of attention. Brain Res Bull 67: 304–309, 2005.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Ciência e Aplicação de Dicas Verbais - Parte 1

Esta é uma adaptação de um artigo que trata de um assunto muito pouco abordado em nossa profissão, ao menos (que eu saiba) aqui no Brasil. Já havia um tempo que gostaria de ter feito esta adaptação, mas acabou esquecida, arquivada em alguma gaveta do cérebro, ao fazer a Mentorship Nível 1 da Athletes Performance em Buenos Aires, me lembrei deste artigo dada a ênfase que os treinadores da empresa dedicaram a matéria, especialmente nas sessões práticas do curso.
Decidi dividir a adaptação em 2 partes em virtude do artigo ser um tanto extenso.
O termo "Coaching Cues", que fazia parte do título original (The Science and Application of Coaching Cues), traduzi como "Dicas/Instruções Verbais", creio que foi o que mais se encaixou, se houver uma forma mais adequada, avisem. Também inseri algumas figuras a fim de facilitar o entendimento, como de costume.
Aos que quiserem entrar no website do autor, aqui vai o link: samleahey.com

Vamos a leitura.



Ciência e Aplicação de Dicas Verbais
Sam Leahey

O que muitos consideram uma "arte" é bastante científico, e muitas vezes rotulamos as coisas usando expressões "artísticas" porque ainda não temos o total entendimento da ciência que está por trás. O que as pesquisas científicas fazem, é acelerar o processo de tentativa e erro através da avaliação do que era feito ou ainda, é uma doutrina profissional ou procedimento operacional padrão. Este artigo irá elucidar o que diz a literatura com respeito aos mecanismos de dicas verbais (N.T: Do já citado original em língua inglesa "coaching cues") e então propor aplicações práticas baseadas numa mistura de ciência, experiência com mentores, assim como a minha própria experiência prática.

O mesmo esforço que colocamos em programar o treino a fim de obter as adaptações fisiológicas e biomecânicas ótimas, deveria ser posto em como comunicamos nossa intenção. De fato, instruções verbais ruins dadas pelo treinador podem deprimir seriamente a performance motora dos atletas. Mudar de uma a duas palavras, ou uma sentença inteira quando ensinar uma nova tarefa motora ou reforçar tarefas antigas, tem efeitos significativos nos movimentos corporais dos atletas. Os conceitos chave e procedimentos de aplicações práticas que se seguem podem ajudar o treinador a obter resultados motores mais desejáveis.

Foco de Atenção das Dicas
Quer se esteja ensinando um novo exercício a um atleta ou reforçando um padrão de movimento já aprendido, acaba-se invocando um, dois ou ambos tipos de estratégias de atenção/foco: "interna" e/ou "externa" (Wulf 2007). Um foco interno ocorre quando um atleta está pensando a respeito de uma de suas próprias partes corporais durante a execução de uma tarefa ou movimento. Um foco de atenção externo ocorre quando um atleta pensa a respeito do efeito do seu movimento enquanto executa-o.
De maneira simples:

  • interno refere-se à uma parte do corpo do executante.
  • externo refere-se ao efeito do movimento.

Aqui estão alguns exemplos seguidos de uma explicação.

























No final das contas, o objetivo das dicas verbais é o resultado motor, obtido através da condução do movimento de maneira mais eficiente. O atleta move a medicine ball na velocidade máxima (externa) ou apenas se foca em estender os cotovelos de maneira rápida (interna) enquanto os ombros e o resto do corpo não estão respondendo de maneira ótima, pois este atleta está com o foco voltado para os cotovelos?
Este atleta foca apenas em estender o quadril/perna rapidamente (interna) sem aplicar muita força no solo a fim de aumentar a velocidade da corrida ou ele realmente empurra o solo atrás dele (externa), fazendo com que se mova mais rápido?
Objetivamente, o atleta é realmente forte/rápido/ágil ou apenas parece bem? O tipo de foco de atenção que o atleta adota é severamente influenciado por você, o treinador! Mesmo sutis diferenças nas instruções podem fazer uma grande diferença no resultado do movimento.

Uma grande quantidade de pesquisas tem demonstrado a superioridade de dicas com foco externo nos efeitos dos movimentos em uma variedade de tarefas motoras, tais como: manobras de agilidade, exercícios, habilidades esportivas, desafios à estabilidade, saltos e muito mais, usando várias unidades de medida diferentes (segundos, centímetros, passar X falhar, etc.) (Al-Abood et al. 2002, Marchant et al. 2009, Porter et al. 2010, Wulf 2008, Wulf et al. 1999, Wulf et al. 2003, Wu et al. 2011).  Quando eu não tinha todas estas referências, me lembro de ter lido o que o Dr. Verkhoshansky (N.T: Este dispensa apresentações, o Dr. Yuri Verkhoshansky é uma lenda no campo do Treinamento Esportivo) escreveu em um estudo analisando as performances de saltos em profundidades de grupos de atletas. A um grupo de atletas foi dito para: "passar o mínimo de tempo com os pés no solo quanto possível" e ao outro grupo foi dito: "salte o mais alto que puder e agarre a bola sobre sua cabeça" (para esse grupo, ele pendurou uma bola no alto a fim de que os atletas tentassem agarrarem-na). Ao primeiro grupo, obviamente foi dada uma dica verbal com foco interno (partes do corpo) enquanto que ao segundo, foi dada uma dica verbal com foco externo (efeito). O estudo conclui que o segundo grupo (foco externo) alcançou alturas de salto muito superiores ao primeiro.

Na minha experiência prática (embora eu tenha certeza que existam pesquisas sobre estes equipamentos), quando testo o salto vertical de meus atletas, eu sempre consigo números mais altos usando o Vertec do que quando uso o Just Jump Mat.
Vertec e Just Jump: Foco de Atenção Externo X  Foco de Atenção Interno

Tecnologia a parte, credito uma grande parte dos resultados ao fato do Vertec usar uma tarefa com foco externo (tocar a marca mais alta acima) enquanto que o Just Jump usa uma tarefa com foco interno (manter os joelhos e quadris estendidos para que o tempo no ar não influencie os resultados). Neste ponto podemos dizer inclusive que quanto mais externo for o foco da dica verbal melhor o resultado, embora isto não vá funcionar todas as vezes. Você pode usar qualquer unidade de medida que quiser (segundos, peso, centímetros, etc.) para conduzir seu próprio experimento, mas temos nossa própria dose de confiança empírica de que um foco de atenção externo resultará em um efeito superior nos movimentos. Este efeito tem sido demonstrado em atletas iniciantes e avançados, homens e mulheres, atletas sob pressão ou em uma população de pacientes (Landers et al. 2005, Porter and Anton 2011, Wulf 2008, Wulf 2007, Wulf et al. 2010, 2002, Wu et al. 2011).

Retorno de Informação (N.T: feedback), Frequência das Dicas e Aprendizado
Este conceito é muito similar ao escrito acima. Após ter ensinado um novo exercício ou movimento, você então fornece um feedback (retorno de informação). Quando desejar mudar (através de feedback) a mecânica corporal de um atleta, pode parecer contraintuitivo não referir-se a partes do corpo (foco interno), ainda que a maioria das pesquisas suporte a noção de que mudar imediatamente e permanentemente uma mecânica corporal é melhor realizado através de um direcionamento externo do foco de atenção (Wulf 2007). Dito isto, a experiência prática nos mostra que as vezes dicas verbais internas podem ser apropriadas. Especialmente se isto for uma progressão em direção a dicas verbais externas.

O que separa este conceito do dito acima é quão frequentemente devemos fornecer o retorno de informação à nossos atletas. Alguns diriam: "tanto quanto necessário", outros tentam fornecer o mínimo de dicas verbais aos aprendizes para que estes não se tornem dependentes disso (N.T: Aos que acompanham os trabalhos de Gray Cook, sabem que ele é um dos que advogam o mínimo de instruções verbais necessárias, com o argumento de que não aprendemos movimento através de dicas verbais e sim da percepção dos erros e acertos no processo de aprendizagem motora). Outros treinadores tentam esquematizar as dicas (ex: imediatamente antes da execução, logo depois, etc.). Dois estudos em particular (Wulf  et al. 2002, 2010) davam dicas verbais externas a um grupo após o desempenho de cada tarefa em particular (em 100% das execuções), depois somente em algumas execuções (em 33% delas), então fizeram a mesma coisa com outro grupo, só que agora fornecendo aos participantes dicas internas (em 100% e depois em 33% das execuções). Ambos estudos tiveram resultados similares - quanto mais externas fossem as dicas, melhor aprendida era a tarefa, quanto menos usavam dicas internas, melhor a tarefa era aprendida, e quanto mais eram usadas dicas internas, pior os executantes se saiam em aprender a tarefa de movimento dada. Na verdade, o grupo a que foi dado dicas externas em 100% das execuções, foi o que melhor se saiu em relação a todos os outros grupos em um teste de transferência de uma performance motora diferente. Neste caso, mais de uma coisa boa (dica externa), é uma boa coisa.

Hipótese da Ação Forçada e Automaticidade
Agora entendemos que na maioria (não em todas) das situações, um foco de atenção externo nos traz a performance mais eficiente e efetiva. Mas por quê? Como?
O mecanismo é muito interessante e não é o que se poderia pensar. Os cientistas do esporte chamam-na de "hipótese de ação forçada" (Wulf 2007).
A hipótese diz que:

"Focar-se de maneira consciente em movimentos de uma ação motora, quebra o processo de controle motor automático que regula movimentos coordenados. Quando atletas se focam de maneira ativa e consciente em controlar seus movimentos, eles interrompem os processos de comportamentos motores inconscientes e automáticos que normalmente tomam conta de maneira eficiente de nossos movimentos. Em contraste, o direcionamento externo da atenção, focando-se nos efeitos do movimento, permite ao sistema de controle motor regular e organizar naturalmente as ações motoras. Como resultado, o movimento é inconsciente, rápido e reflexivo" (Wu et al. 2011).

Quando pensamos em movimentos "naturais" e "reflexos", seja um exercício ou uma manobra de agilidade, queremos movimento fluido que recrute somente os músculos necessários para cumprir de maneira ótima a tarefa. Significando que não precisamos que um monte de músculos não relacionados com a tarefa sejam ativados, isto irá causar um atraso na execução. Gray Cook, refere-se a este fenômeno como estratégias de "alto limiar e baixo limiar". Essencialmente, quando ocorre uma atividade aumentada em uma determinada tarefa de movimento, deveríamos desejar um aumento na eficiência de recrutamento de unidades motoras, não apenas mais unidades motoras. Isto poupa calorias também. Por exemplo, um estudo (Zachry et al. 2005), colocou atletas de basquete a fazerem arremessos de lance livre, enquanto a um grupo foram dadas instruções para se focarem na flexão do punho (interna), outro grupo foi instruído a se focar na borda do aro (externa). O grupo da instrução interna produziu maior atividade eletromiográfica do que o grupo de instruções externas nos músculos bíceps e tríceps braquial, ainda que as instruções tivessem sido específicas à flexão de punho. Esta é a "estratégia de alto limiar" em ação. Um estudo de abrir os olhos (Wu et al. 2011), analisou a força produzida e a distância do salto horizontal. Todos os sujeitos (n=21) experimentaram instruções verbais internas e externas. Na média eles encontraram um pico de força similar, embora ligeiramente maior nos sujeitos instruídos com foco interno, mas estes sujeitos não saltavam tão longe quanto os sujeitos instruídos com foco externo (ver o gráfico abaixo).
Significando: Sujeitos quando recebiam instruções com foco de atenção interno produziam maior força no movimento de salto, mas na realidade saltavam uma distância menor dos que recebiam instruções com foco externo!






















































Novamente, as razões porque isto ocorre são devidas ao que foi descrito no texto acima. O componente de sincronicidade do movimento de salto pode ter sido diferente entre os saltos, fazendo com que quando os indivíduos fossem instruídos com foco interno o movimento parecesse menos natural, impulsivo e reflexo. Estudos como este demonstram a eficácia de adotar dicas verbais com foco externo a fim de facilitar a efetividade e eficiência do movimento.


Finalizamos o artigo na semana que vem.
Grande abraço a todos os leitores.


Confira a parte 2: Ciência e Aplicação de Dicas Verbais - Parte 2


segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Princípios do Movimento - Número 10 (final)

Após um bocado de tempo as adaptações dos Princípios do Movimento chegaram ao fim.
Agradeço a todos os amigos que ajudaram na tarefa.
Um grande abraço a todos.

Aos que não leram ainda os capítulos anteriores, aqui vão os links:
- Princípios do Movimento #1
- Princípios do Movimento #2
- Princípios do Movimento #3
- Princípios do Movimento #4
- Princípios do Movimento #5
- Princípios do Movimento #6
- Princípios do Movimento #7
- Princípios do Movimento #8
- Princípios do Movimento #9

Boa leitura aos amigos.



Princípios do Movimento #10
Gray Cook

Princípio 10: "A rotina de prática de exercícios auto-limitantes pode manter a qualidade de percepção de nossos movimentos e preservar a adaptabilidade única que o mundo de conveniências moderno corrói."

Quando as correções fizeram seu trabalho, é tempo de voltar ao treino, esta é a sua oportunidade de prever problemas futuros. A inclusão de exercícios auto-limitantes na parte principal do programa de exercícios, ou na preparação, ou ainda, na parte final de volta a calma, pode auxiliar a manter autênticos padrões de movimento. Uma vez que exercícios auto-limitantes oferecem grandes desafios, você pode criar situações para usá-los como uma forma de se divertir ou como uma competição contra si.

Isto é o que espero que as pessoas entendam ao lerem o meu livro (N.T: o livro é o Movement), porque se elas pararem de ler estes princípios no 9º princípio, ficarão com a impressão que Gray Cook é um nerd dos exercícios corretivos que não aprecia um treino de força fodão como um feito atlético excepcional.

Eu gosto disso. Já tive acidentes. Me machuco o tempo inteiro. Sou muito a favor de superar os limites. Realmente desejo que as pessoas explorem o máximo da capacidade física que possuem. 
Se você fez seu dever de casa e ajustou o corpo direitinho, vá lá fora e tenha alguma diversão. Corra uma maratona. Uma ultramaratona. Lute contra alguém. Jogue golfe. Faça o que quiser.

Porém, exercícios auto-limitantes são opostos em 180º à subir em uma esteira, ligar o iPod e de maneira cega bancar o rato em uma roda.

Exercício auto-limitante é equilibrar-se em uma viga. É fazer um press bottom up (N.T: Press feito com o fundo do kettlebell para cima) ou um Turkish getup.
Press bottom up

Turkish Get Up


É fazer movimentos de ginástica olímpica (N.T: Nunca vou me acostumar com a nova nomenclatura de Ginástica Artística). Estas são coisas que requerem um comprometimento corporal. Este comprometimento realmente fecha um círculo na situação corpo-mente.

Aqui vai meu lance se alguém tem uma disfunção. Nosso padrão para isso é: Nenhum escore abaixo de 2 (N.T: Referindo-se ao sistema de pontuação adotado nos testes do FMS que vai de 1 a 3), nenhum escore assimétrico (N.T: 1 em lado e 3 no outro por ex.) ou nenhuma dor apresentada na realização de algum teste (N.T: Dor na realização é indicado pelo escore zero no sistema de pontuação). Se há alguma disfunção, trabalhe nisso. Elimine-a. Conserte ou consiga alguma ajuda. Uma vez que esta pessoa esteja acima do ponto de corte, não é necessário passar 6h da semana fazendo autoliberação miofascial e exercícios corretivos. Certifique-se que a correção das disfunções é sólida e que você realizou uma mudança.

Algumas das atividades que coloquei no livro Movement são verdadeiros exemplos de exercícios autolimitantes onde é requerido comprometimento, assim como uma boa mistura de mobilidade e estabilidade. Use alguns destes exercícios em sua rotina semanal para realmente desafiar todas as diferentes faculdades que você reuniu ao recapturar um pouco de seus movimentos. Faça isto ao invés de se tornar um viciado em corretivos. 


Eu gosto de pensar que algumas vezes por ano eu entro em forma após todas essas viagens por aí. Meu FMS não é lá grandes coisas, mas é adequado. Sem nenhum alongamento ou autoliberação miofascial. Eu consigo manter bons movimentos apenas fazendo alguns Turkish Get Ups em cada lado, quer eu esteja fazendo treino de força, stand up paddle ou dando uma corridinha.

Todos os planos e padrões de movimento estão no Turkish Get Up. Muitos deles são também como a saudação ao sol da ioga. Pegue algo que funciona para você e faça. Nem tanto como estratégia de correção, mas por ser autolimitante.